Natureza resistente

Obra "Struggle in the Orient: Slavery, Imperialism & Gandhi" (1930), de José Clemente Orozco (1883 – 1949)

A ideologia que ‘absolve e justifica os canalhas’ é apenas o ópio dos intelectuais.
Nelson Rodrigues (1912 – 1980)



Estamos submersos num mar ideológico. Desde o século XIX, parece que tudo o que envolve a sociedade e a política só pode ser considerado sob a perspectiva de doutrinas determinadas, de visões de mundo exatamente estabelecidas, fora das quais resta a indefinição e a desorientação. Aceitamos as ideologias como necessárias e hoje já não se consegue pensar o mundo sem elas. Parece que se as ideologias, por uma obra dos deuses, sumisse das cabeças dos homens, não saberíamos mais o que fazer e sucumbiríamos.

O resultado da aceitação incondicional da ideologia é que ela nos tem sufocado. Cada vez menos há espaço para a espontaneidade, para a liberdade, para a auto-determinação. Viver neste mundo ideologizado exige que nos acoplemos a princípios que não são de nenhuma maneira nossos, mas estão nos sendo impostos desde mentes que nada têm a ver conosco.

Asfixiados pela pressão das ideologias que não nos agradam, decidimos então que precisamos escapar delas, mas escolhemos combatê-las de frente. Como aceitamos que elas são necessárias, decidimos confrontá-las com nossas próprias ideologias. Por isso, a sociedade contemporânea, principalmente no século XX, transformou-se num palco de pelejas ideológicas. Cada nação, cada região, cada grupo pareciam possuir seu próprio corpo doutrinário e os conceitos muito bem definidos de como os povos deveriam ser conduzidos.

Independentemente da cor ideológica que, em cada momento histórico, saiu vencedora, quem sofreu todas as vezes foi a humanidade. A imposição de uma ideologia sempre torna-se um fardo para as pessoas, pois impõe sobre elas convicções que não são as de todas. Uma ideologia transformada em ação governamental transforma-se em opressão, invariavelmente.

Isso porque toda ideologia, por definição, é artificial. Sendo uma visão de mundo desenvolvida por uma mente finita, com perspectivas particulares e pontos de vista peculiares, possuindo uma ideia de como a sociedade deveria ser ou o que pode ser feito para melhorá-la, assume a condição de tecnologia, o que a caracteriza como uma artificialidade.

Pensamentos em comumDo lado oposto da artificialidade ideológica encontra-se a natureza, com sua espontaneidade e força de resistência. Por isso, toda vez que a ideologia tenta se impor encontra dificuldade. É próprio da natureza se debater quando se sente sufocada. Faz parte de seu instinto de sobrevivência. Por isso, movimentos atuais, como o Brexit, a campanha de Trump e mesmo de Jair Bolsonaro, mais do que ideologias concorrentes àquelas que vinham sendo impostas, são as comunidades se estrebuchando, como que em um último movimento desesperado da natureza para libertar-se daquilo que lhe vinha estrangulando. E, com efeito, foi o único movimento de resistência que obteve algum sucesso nesse sentido.

De fato, o melhor adversário da ideologia é a natureza. Em especial, a natureza humana, com sua espontaneidade e instinto, é a única força capaz de se levantar contra as injunções das doutrinas políticas transformadas em plataformas governamentais. Não que seja um problema em si mesmo possuir ideias políticas e mesmo convicções de como a sociedade poderia ser dirigida. O problema é quando essas ideias são enfiadas a seco na vida de todo mundo. Neste caso, mesmo uma boa ideia pode se tornar uma violência.

Por isso, eu jamais escrevo em defesa de uma ideologia qualquer. Tudo o que eu digo, em termos políticos, é em defesa da natureza humana, das pessoas mesmo, em suas individualidades, costumes, hábitos e, consequentemente, diversidade. Não defendo uma ideia, mas um sujeito: o homem.


Por Fabio Blanco.
Publicado no website do autor em 9 de setembro de 2022.

Fabio Blanco também é o responsável pelo domínio
http://www.filosofiaintegral.com.br/.


Notas da editoria:

Imagem da capa: “Struggle in the Orient: Slavery, Imperialism & Gandhi” (1930), por José Clemente Orozco (1883 – 1949).


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