O preço que a verdade cobra

Obra: "A morte de Socrátes" (1787), de Jacques-Louis David (1748 - 1822)

Quem diz verdades perde amizades.”
São Tomás de Aquino (1225 – 1274)



Há dois motivos para não sermos compreendidos: o primeiro, quando falhamos, por ignorância ou imperícia linguística, na transmissão de nossas ideias; o segundo motivo se dá quando o nosso interlocutor é incapaz de apreender o sentido do que estamos lhe dizendo. Ambos os motivos têm consequências, mas o primeiro gera, no máximo, a impaciência no ouvinte, enquanto o segundo pode provocar nele pavor.

Sócrates explica isso em sua Alegoria da Caverna, ao contar sobre a pessoa que, após deparar-se, pela primeira vez, com a luz, tomada de compaixão pelos antigos companheiros que permaneciam nas sombras, retorna até a cova escura, onde eles estão, para contar-lhes a novidade. No entanto, nesse trajeto de retorno, já não mais adaptada à escuridão, impossibilitada de enxergar qualquer coisa com distinção, age de maneira desajeitada e esquisita, provocando, nos moradores da caverna, estranheza e medo.

Na vida real ocorre o mesmo. Quem se depara com a verdade não consegue mais fazer uso das categorias e fórmulas usadas em seus tempos de ignorância. Assim, quando tenta se comunicar com os ignorantes, aos olhos destes acaba parecendo um tolo. Os ignorantes, então, concluem que a verdade proclamada é um veneno e, por mais que a não entendam, têm-na por perigosa, achando por certo afastar de seu convívio seu portador.

Recorte da obra: "The Judgement of Solomon", criada por William Dyce (1806–1864), em 1836.Diversos alunos e leitores meus relatam algo semelhante: que, ao contar para seus amigos e familiares, sobre a verdade que encontraram, são tratados como excêntricos, loucos e até perigosos. No entanto, o principal motivo não costuma ser a discordância do ouvinte, mas o medo provocado nele por algo tão fora do seu universo de consciência

Este é o preço que a verdade cobra de quem se encontra com ela. Para este, resta esforçar-se por traduzir, em uma linguagem compreensível aos ignorantes, a nova realidade ou, simplesmente, conformar-se com a reprovação social. Se bem que o exemplo de Cristo, que fez bem aquilo, mostra que esta parece inescapável.


Por Fabio Blanco.
Publicado no website do autor em 3 de abril de 2021.


Nota da editoria:

Imagem de capa: “A morte de Socrátes” (1787), criada pelo pintor francês Jacques-Louis David (1748 – 1822).




Confira, neste áudio, alguns comentários do filósofo Olavo de Carvalho sobre as razões envolvidas na condenação de Sócrates à morte:


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