Os mercadores da direita

Olavo de Carvalho por Ismael Souza

O fraco, quando quer imitar o poderoso, perece.
Fedro (cerca de 15 a. C. – 50 d. C.), fabulista romano nascido na Macedônia.



E cá estamos nós, quase vinte anos após os primeiros ecos daquela voz que ganharia, finalmente, o merecido alcance popular através do surgimento de uma ainda embrionária rede social que, utilizada de modo absolutamente original, mudaria de maneira singular e para sempre os rumos do país.

Graças à internet e ao “saudoso” Orkut, Olavo de Carvalho “furaria a bolha”, como dizem alguns, e adentraria os lares daqueles brasileiros sedentos por conhecimento, mas que ainda não haviam tido contato com seu trabalho como filósofo e escritor. Em seguida, o advento do memorável programa True Outspeak resultaria no Curso Online de Filosofia, e uma verdadeira rede de alunos seria formada com o passar dos anos, alunos que reconheciam merecidamente, na figura de seu mestre, a voz da verdade há tanto sufocada. Enfim o conservadorismo brasileiro estava de volta, e talvez com uma força — ao menos política — nunca vista antes.

Faço este breve resumo apenas como um pretexto, pois é lugar comum, tanto entre os “influenciadores” do meio como também para os próprios esquerdistas, a consideração do professor Olavo como o maior responsável por tal fenômeno. Quanto a isso, acredito, não há dúvidas nem pontos de discordância: os inimigos reconhecem sua importância, os seguidores também, e assunto encerrado.

“Ou não”, diria ironicamente o tedioso “poeta baiano”, colecionador de indenizações.

Coloco em dúvida o reconhecimento do professor entre muitos dos seus, não pelos méritos que evidentemente possuía, mas porque agora, mais de um ano após sua morte, noto com incômodo pesar o descaso com que seu legado, mais que sua obra — esta inatingível —, vem sendo tratado por aqueles que, pensávamos, levariam sua bandeira ao próximo forte.

Não é o que vemos.

Não é preciso citar nomes — mesmo porque, para o consumidor habitual de conteúdo conservador nas redes, não é difícil identificá-los, acredito —, mas, em geral, são os mesmos que mendigavam “lives” com o professor em seus canais, repetindo nestas os jargões criados por ele e chegando ao ridículo de copiá-lo não só verbalmente, mas também no modo de se vestir e nos trejeitos. Patético. Se esses alunos digamos “mainstream” já se comportavam assim com o professor ainda em atividade, abusando de sua reconhecida boa vontade para com aqueles que lhe pediam alguma visibilidade, era óbvio que a coisa iria degringolar após sua partida. E degringolou.

Os mercadores do templo tiraram Jesus do sério ao transformar aquele lugar sagrado em balcão de negócios: hoje, permito-me a grosseira comparação desta passagem com o cenário atual dos “discípulos famosos” do professor, que usam da proximidade que tinham com ele para vender seus conteúdos, muitas vezes absurdos, no “ambiente” conservador das redes — ambiente criado por ele —, aos ainda sedentos e pouco esclarecidos conservadores brasileiros.

Não há pudor algum em misturar Platão com a mais fútil autoajuda de banca de jornal de aeroporto, Aristóteles com a cultura pop ou Sócrates com as mais gritantes manchetes de jornal sobre a rasteira política do dia, esta pela qual parecem possuir uma inexplicável tara. Tão extrema é a fixação pelas movimentações em Brasília que talvez a galinha dos ovos de ouro dessa turma seja, além dos cursos sobre nada, os livros de temática política sensacionalista. Novas (velhas) obras sobre o comunismo no Brasil e os planos do PT multiplicam-se como gremlins nas lojas virtuais, remoendo sem qualquer novidade teórica um tema que já foi esmiuçado com habilidade pelo próprio professor Olavo e tantos outros, ao mesmo tempo em que ignora-se, com altiva surdez seletiva, sua mais importante constatação: só equilibraremos as forças no Brasil quando retomarmos a cultura através da arte, principalmente no campo literário, produzindo romances, peças e todo tipo de ficção de real valor, alimentando o imaginário popular com o inverso da proposta de destruição moral implantada pela esquerda ao longo de décadas.

Alguém está realmente fazendo isso, e com a seriedade que a situação exige? Tenho a impressão de que não. Aliás, a quem esteja disposto a produzir ficção de viés conservador sem apelar a bobagens futuristas ou emulações baratas da Terra Média, é aconselhável um bom investimento para adentrar a panelinha — afinal, garantir uma cadeira ao lado dos autoproclamados senhores da verdade conservadora parece custar caro.

Imaginem só, que sorte a nossa, se a esquerda também cultivasse, entre seus “pilares”, tamanho ego e ganância. Será que teriam sido vendidos os 400 mil exemplares do panfleto progressista Torto arado, por exemplo? Duvido muito. Neste sentido, admito, há algo de admirável nos comunistas. Eles, sim, entendem que é a solidariedade com os seus iguais que faz a máquina girar. Levantam escritores e os divulgam, compram, distribuem, cedem lugar e entendem a guerra muito mais que os de cá, que parecem nada conseguir fazer além de seguir editando intermináveis edições do 1984.

Que falta nos faz o professor Olavo! Que pena que não houve tempo para que pudesse chicotear, com suas broncas “alborghetianas”, esses mercadores do templo conservador que ele tanto ajudou a construir.


Por Douglas Alfini Jr.
Douglas é autor das obras Crônicas do Invisível (2021) e Âmbar Gris (2023):


Notas da editoria:

Imagem da capa: “Olavo de Carvalho”, por Ismael Souza.


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