Os quatro cavaleiros do apocalipse

Obra: "Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse" (1887), por Victor Mikhailovich Vasnetsov (1848 - 1926)

Talvez o Brasil já tenha acabado e a gente não tenha se dado conta disso.”
Paulo Francis (1930 – 1997)

* Notas da editoria



Como nos filmes, começo este artigo informando que qualquer semelhança do que vou escrever com pessoas ou governos é mera coincidência.

Em dois livros meus, “Uma Breve Teoria Do Poder” e “A Queda dos Mitos Econômicos”, edições esgotadas, procurei mostrar que quem busca o Poder, na esmagadora maioria dos casos, pouco está pensando em prestar serviços públicos, mas em mandar, usufruir ou beneficiar-se do governo. Prestar serviços públicos é um mero efeito colateral, não necessário. Com maior ou menor intensidade, tal fenômeno ocorreu em todos os períodos históricos e em todos os espaços geográficos.

É bem verdade que a evolução do Direito e da Democracia, nos dois últimos séculos, tem permitido um certo, mas insuficiente, controle do exercício do poder pelos quatro cavaleiros do apocalipse — o político, o burocrata, o corrupto e o incompetente —, razão pela qual as nações encontram-se permanentemente, em crise. A “Utopia” de Moore, a “República” de Platão e “A cidade do sol” de Campanella exteriorizam ideais para um mundo, em que a natureza humana seria reformada por valores que, embora vivenciados por muitos, raramente são encontrados nos que exercem o poder.

O primeiro dos quatro cavaleiros do Apocalipse, o político, na maior parte das vezes, para alcançar ascensão na carreira, dedica-se exclusivamente à “desconstrução da imagem” dos adversários. Tem razão Carl Schmitt, em sua teoria das oposições, ao declarar que o político estuda o choque permanente entre o “amigo” e o “inimigo”. Todos os meios são válidos, quando o poder é o fim. A ética é virtude descartável, pois dificulta a carreira.

A Queda Dos Mitos Econômicos, escrito por Ives Gandra da Silva Martins.O burocrata, como dizia Alvim Toffler, é um “integrador do poder”. Presta concurso público para sua segurança pessoal, porém, mais do que servir ao público, serve-se do público para crescer e, quanto mais cria problemas para a sociedade, na administração, mais justifica o crescimento das estruturas governamentais sustentadas pelos tributos de todos os contribuintes. Há países que se tornaram campeões em exigências administrativas, as quais atravancam seu desenvolvimento, apenas para justificar a permanência desses cidadãos.

O corrupto é aquele que se beneficia da complexidade da burocracia e da disputa política, enriquecendo-se no poder, sob a alegação de necessidade de recursos, algumas vezes, para as campanhas políticas e, no mais das vezes, pro domo sua. Apesar de Montesquieu, ao cuidar da tripartição dos poderes, ter dito que o poder deve controlar o poder, porque o homem nele não é confiável, quando em todos eles há corruptos, o poder não controla a corrupção.

O inepto, que conforma o quadro da esmagadora maioria dos que estão no poder, é aquele que, incapaz do exercício de uma função privada na qual teria que competir por espaços, prefere aboletar-se junto aos poderosos. São os amigos do rei. Não sem razão, Roberto Campos afirmava que há no governo dois tipos de cidadãos, “os incapazes e os capazes de tudo”.

Quando espocam escândalos de toda a forma, quando a corrupção torna-se endêmica, quando o processo legislativo torna-se objeto de chantagem, quando a mentira é tema permanente dos discursos oficiais, quando a incompetência gera estagnação com injustiça social, percebe-se que os quatro cavaleiros do Apocalipse estão depredando a sociedade e desfigurando a pátria que todos almejam.

Felizmente, o Brasil é uma nação que desconhece os quatro cavaleiros do Apocalipse, pátria em que todos são idealistas e incorruptíveis, razão pela qual este artigo é uma mera digressão filosófica.


Escrito por Ives Gandra da Silva Martins.
Publicado originalmente no website do Instituto Liberal, em 20 de Dezembro de 2014.


Subir com fundo cinza Notas da editoria:

1. Imagem da capa: “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse” (1887), de Victor M. Vasnetsov (1848 – 1926).
2. Este artigo foi originalmente publicado Cultura de Fato em 3 de maio de 2016. A data de 3 de abril de 2024 corresponde à última edição.


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