Pensando em nossos descendentes

Obra: "Mankind's Eternal Dilemma, The Choice Between Virtue and Vice" (1633), por Frans Francken the Younger (1581 - 1642).

Assim como um agricultor não gera os frutos, mas cuida do solo para que seja fértil e produtivo,
um Presidente não cria empregos, mas trabalha para tornar o ambiente fértil e favorável para a iniciativa privada,
que é quem realmente gera. É exatamente isso que estamos fazendo.
Jair Messias Bolsonaro,  38º presidente do Brasil.



Estamos a poucas semanas das eleições presidenciais mais importantes da nossa história, em que estará em jogo algo muito mais grave e profundo do que uma simples escolha entre candidatos, porque a opção a ser feita — de enormes consequências de longo prazo — será quanto ao tipo de sociedade que desejamos para nós e, principalmente, para as gerações futuras. Não será uma seleção meramente política, entre direita e esquerda, ou simplesmente econômica, entre liberais e intervencionistas, mas, sobretudo, uma decisão moral, entre dignidade e indignidade, liberdade e servidão, mérito e malandragem, trabalhar na semeadura e esperar que frutos despenquem da árvore estatal.

Escolher representantes é sempre uma escolha moral, mas neste ano será muito mais. É importante, portanto, que os eleitores conheçam as implicações do que vão digitar naquela urna que tem sido motivo de tantas querelas e novelas, mas que, segundo a autoridade eleitoral, é uma versão moderna (embora de primeira geração) do dístico da encantadora cidade do Porto, em Portugal: mui leal e invicta, ou seja, confiável e inexpugnável.

A divulgação das propostas dos principais candidatos à Presidência aguça os claríssimos contrastes entre duas visões de mundo: de um lado, o respeito à liberdade dos indivíduos e aos bons princípios da economia, do Direito, da política e da moral, bem como a convicção de que, acima de qualquer outro objetivo, o Estado e a lei só fazem sentido se servem aos cidadãos; e, de outro, a relativização da liberdade individual, da doutrina democrática, da justiça e dos valores morais, movida pela visível suposição de que o Estado deve sobrepor-se aos cidadãos e, portanto, dirigir as suas vidas para promover uma “igualdade” alegórica, impalpável e indefinível, mas de forte apelo para as massas de milhões de indivíduos que, sem que ao menos desconfiem, são utilizados como instrumento de manobra, idiotas úteis necessários a cada quatro anos, para ser invariavelmente descartados em seguida, somente voltando temporariamente a ser lembrados pouco antes das eleições seguintes.

Liberdade


Mas por que as escolhas de outubro serão — mais do que nunca — precipuamente morais? A resposta deve levar em conta que a liberdade plena do ser humano precisa enfeixar a liberdade econômica, a política, a de consciência e a de expressão. Esses ingredientes, quando devidamente combinados, libertam o homem e geram o seu progresso, e sua ausência termina por escravizar os indivíduos e submetê-los à pobreza e à sujeição material e espiritual. É crucial, também, compreender que o desenvolvimento de uma sociedade — ou o “progresso”, como diziam os mais velhos — é um processo de aumento contínuo e generalizado do estoque de capital, que inclui o capital humano, o qual, por sua vez, compreende o capital moral e o intelectual, as habilidades das mãos e do cérebro, dos bíceps e dos neurônios, assim como as do coração. Se as sociedades sabem como criar riqueza — e a receita é conhecida desde o século 18, com Richard Cantillon e Adam Smith — e a desprezam, então a pobreza absoluta e a miséria são imorais.

George Orwell - 1984O simples fato de que os seres humanos são feitos à imagem e à semelhança do Criador implica que todos, durante o tempo que nos é concedido no mundo, somos moralmente obrigados a criar mais do que consumimos. Nisto reside toda a esperança no progresso econômico. Nenhuma economia cresce o que um líder ou um partido político querem que ela cresça, mas apenas o que ela pode crescer. E o que ela pode crescer depende, de um lado, de um ambiente geral estável e seguro, jurídica e fisicamente, e, de outro, de instituições que estimulem a criatividade dos agentes econômicos. Em suma, o progresso é uma tarefa que requer a fadiga da formiga, e não a algazarra da cigarra.

Não há fórmulas mágicas. O avanço das sociedades depende de pessoas e das providências que tomam, de qualidades individuais, de recursos humanos, da disposição de cada um para utilizar esses recursos, de instituições políticas, legais e de motivações morais, fatores esses que quando são espontaneamente desencadeados estimulam os determinantes do desenvolvimento de longo prazo, que nada mais é que o resultado dos fluxos de investimentos em capital físico, humano, tecnológico e moral, que aumentam a capacidade de geração de oferta da economia. Isso equivale a afirmar que o sistema moral-cultural é a principal força dinâmica a explicar a ascensão tanto de um sistema político democrático quanto de um sistema econômico liberal. O sistema moral-cultural é o sine qua non do sistema político e do sistema econômico. Negligenciá-lo significa injetar no organismo os vírus do caos.

Pão e circo


Seres humanos não vivem apenas de pão e de circo e tampouco de discursos de demagogos, mormente aqueles com prontuário policial mais sujo do que um poleiro de galinheiro. A maioria dos indivíduos só encontra paz em suas consciências quando acredita que suas atividades econômicas e políticas se revestem de significado moral. O trabalho duro, a perseverança nas dificuldades da vida, o espírito empreendedor, a frugalidade e o próprio sentimento da esperança só fazem sentido, em termos de possibilidade de bem-estar material quando encontram respaldo na força do sistema moral.

Ao votar, iremos decidir se vamos de fato prosseguir em busca de uma sociedade pujante e rica ou se vamos copiar as experiências desastrosas de alguns vizinhos latino-americanos.

A degradação de costumes que vêm atacando o Brasil e o mundo têm duas causas básicas: a primeira é o relativismo moral que, originado com a “morte de Deus”, decretada por Nietzsche na segunda metade dos oitocentos, se transformou na grande chaga dos novecentos e deste início do século 21, na medida em que deixou um vácuo que foi preenchido pela “vontade de poder”, em substituição aos valores judaico-cristãos. A segunda decorre da primeira, mas merece ser destacada por suas dimensões e sua importância: trata-se do fenômeno do crescimento do Estado, especialmente pela invasão que o sistema político passou a perpetrar sobre o sistema econômico. Em outras palavras, quando se “mata” Deus, está-se implicitamente aceitando um substituto para os valores tradicionais, e o escolhido para esse propósito foi o sistema político. Assim, tudo foi sendo crescentemente politizado, desde decisões puramente econômicas, como a de determinar salários; legais, como a politização do judiciário; e morais, que não deveriam depender de decisões políticas, mas das consciências individuais, como a delicada questão do aborto.

A capacidade destrutiva dos indivíduos, embora perversa, é insignificante diante da que o Estado, mesmo quando bem-intencionado, possui. Onde são grandes o governo e o Estado, onde as instituições democráticas revelam incapacidade para conter o poder excessivo e a concentração desse poder em poucas mãos e onde os consensos tradicionais do bom e do mau, do bem e do mal, do certo e do errado, da virtude e do vício são desdenhados, o componente de egoísmo que sempre caracterizou os seres humanos não encontra limites à sua expansão. O relativismo moral, então, ao romper com os valores tradicionais, incha o Estado e estimula as tendências erradas dos indivíduos.

Os fins e os meios


Todas essas considerações se fazem necessárias ao compararmos os planos de governo dos dois principais candidatos. É verdade que planejamento social — e, mais especificamente, os planos de governo —, são, invariavelmente, fracassos com datas marcadas. Primeiro, porque os seres humanos não são bonecos, são vivos e, logo, pensam e têm vontade própria, objetivos diversos e reagem de maneiras diferentes a incentivos e desincentivos, incluindo aqueles promovidos pelas autoridades; e, segundo, porque a passagem do tempo muda as suas preferências e seus fins e, portanto, as suas reações a incentivos e desincentivos. Planos de governo, no fundo, são declarações de intenções que, por sua vez, são apenas generalidades a respeito de metas que, inclusive, muitas vezes, são comuns a candidatos diferentes, como, por exemplo, “gerar renda e empregos”. Por isso, o que importa é o caminho que cada plano propõe para que as intenções sejam concretizadas. Ou seja, trata-se muito mais de escolher os melhores meios, e não simplesmente de declarar fins. Não basta que eu diga quero ir a Roma, é preciso que eu explique como vou chegar lá.

Bolsonaro: Capa do Plano de Governo 2023 - 2026.Ao fazer isso e lendo o programa do principal candidato da esquerda, constata-se facilmente que se trata do velho e fracassado socialismo, cujo pano de fundo ainda é a chamada teoria da exploração de origem marxista: ricos exploram pobres, patrões exploram trabalhadores, banqueiros exploram o povo, proprietários de terras exploram os sem-terra, quem tem pele azul explora quem tem pele verde, homens exploram mulheres mas, naturalmente, se você votar no candidato do partido, toda a usurpação vai terminar. Com essas minhocas exploratórias na cabeça, os apedeutas econômicos que o redigiram (alguns, até, com diploma de economista) acreditam piamente que, para combater a pobreza, é preciso, antes, destruir a riqueza acumulada e impedir que volte a ser gerada. O resultado, inescapável e mais do que comprovado, é a pobreza generalizada. O fato é que, para a esquerda, riqueza faz mal e pobreza faz bem, já que, quanto maior o número de pobres a dependerem do Estado, se torna mais “produtivo” controlar suas vidas e se manter no poder.

Essa teoria, na verdade, é a filha bastarda do acasalamento da absoluta ignorância econômica com a inveja, esse traço do comportamento humano que, como Heródoto já observava cerca de 500 anos antes de Cristo, nasceu no homem desde o princípio — um vício peculiar, cujas manifestações são as únicas em que os agressores certamente prefeririam, caso pudessem, ocupar o papel das vítimas.

O suco do atraso


Ora, a esta altura do campeonato, em pleno ano de 2022, se existe exploração, é da parte dos “progressistas”, que continuam azucrinando a nossa paciência com essa baboseira caquética e comatosa. Se batermos em um liquidificador o programa de governo do principal candidato da esquerda, vai sair um “suco de atraso”. É Estado pra lá, Estado pra cá, governo pra cima, governo pra baixo, “entidades” estatais pra um lado, “entidades” estatais pro outro, como naquela velha dança do minueto — ou, mais apropriadamente, uma quadrilha de festa junina —, com trocas de cargos, influências e favores fazendo o papel das tradicionais trocas de casais.

Por outro lado, o plano de Bolsonaro para seu segundo mandato, divulgado há poucos dias, revela a intenção de dar continuidade ao que propôs em 2018 e mostra os meios que pretende utilizar para isso e que, em linhas gerais, são os mesmos que o seu governo vem tentando realizar, em meio a um bombardeio bizarro de 24 horas por dia: consolidação das reformas liberais; políticas públicas sustentáveis; combate à corrupção; recuperação do sistema judicial, ora eivado de ativismo político; mudanças legais para desestimularem os crimes e reporem a segurança pública; valorização do civismo, do patriotismo, da família e dos valores morais e éticos; “desideologizar” o ensino; proteger as crianças, com a proibição da ideologia de gênero; garantir liberdade plena de pensamento; respeito ao meio ambiente sem histeria; e desaparelhamento ideológico do aparato do Estado.

Ao votar, iremos decidir se vamos de fato prosseguir em busca de uma sociedade pujante e rica ou se vamos copiar as experiências desastrosas de alguns vizinhos latino-americanos. O sistema socialista é uma aberração moral: perverte os conceitos de lei e de justiça, instituindo hábitos e concepções viciosos; agride os mais elementares direitos inerentes à pessoa humana, a começar pelas liberdades individuais; desestimula a ética do trabalho; bloqueia a criatividade dos indivíduos; tende a produzir corrupção generalizada; estimula maus investimentos; impede a criação do conhecimento e a geração de informações sobre os desejos dos consumidores, levando à baixa qualidade dos bens e dos serviços produzidos e à escassez; e é extremamente desagregador, ao fomentar o ódio entre irmãos. Sem todos esses vícios morais, ele, simplesmente, não pode sobreviver.

O que vamos decidir em outubro será o futuro dos nossos descendentes.


Ubiratan Jorge Iorio
Escrito por Ubiratan Jorge Iorio (Instagram: @ubiratanjorgeiorio).

Economista, professor da UERJ, Diretor Acadêmico do Instituto Ludwig von Mises Brasil e
Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista.
Publicado originalmente no website do autor, em 19 de agosto de 2022.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “Mankind’s Eternal Dilemma, The Choice Between Virtue and Vice” (1633), por Frans Francken the Younger (1581 – 1642).


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