Qual liberdade?

Obra: "Birds of freedom", por Rita Salazar Dickerson.

E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará
Jo 8:32



Ouço muitos ilustrados defenderem com unhas e dentes o direito à liberdade. É bonito, sonante e apelativo, mas… qual liberdade?

Duas colunas se erguem na nossa frente, lado a lado. Uma propõe a liberdade nominal, a outra, a liberdade ideal. A primeira, à esquerda, é feita de isopor. Quem olhar de longe dirá que é de pedra, no entanto a verá colapsar no segundo em que se tentar sustentar nela. A segunda, à direita, pedra maciça, forte, eterna.

A liberdade nominal, que é a que o liberalismo advoga, é erigida sobre mentiras e omissões sobre a própria natureza das coisas. Segundo essa ideologia, todos temos o direito de fazer o que queremos, com o vago e nebuloso limite de não interferir na liberdade do outro (mas qual dos dois define o limite, o um ou o outro?). Ela não se preocupa com a natureza dual da vontade humana que, ora quer deleitar-se no efémero, ora busca o mais elevado; fazer essa distinção iria contra a própria lógica do liberalismo, pois forçaria a admissão de uma hierarquia de valores e de uma ordem moral que se radica em algo que não é livre, mas determinado à partida. Por aqui se vê que para esta visão se torna muito difícil definir princípios elementares. Mas a verdade mais simples é que a ideologia não sobrevive ao teste da realidade.

Tomemos o seguinte como exemplo: um filho que, na sua “liberdade”, escolhe caminhar para a constante satisfação de seus desejos impulsivos, procurando sempre a gratificação mais básica e imediata, não tardará caindo no abismo do álcool, das drogas, do sexo desregulado, do egoísmo e da autodestruição. Um filho assim, que, aparentemente, está apenas a exercer a sua “liberdade” individual, pode levar à tragédia a sua família inteira. E como julgaremos esse filho? Ele continua livre? Ou escravizado pela sua vontade inferior? Como julgaremos essa família? Se o amavam, por que ninguém procurou impedi-lo? Dirão eles “apenas respeitamos o seu direito à liberdade”? Se assim foi, a liberdade elevou-se além da sua justa posição na hierarquia de valores; ela suplantou o Amor e o Bem, aos quais ela deveria estar subordinada. Assim, no seu limite, o liberalismo é a racionalização da negligência humana. Poderíamos mesmo dizer que é o contrário de caridade.

A liberdade ideal é justa, e é uma conquista. Só somos progressiva e verdadeiramente livres à medida em que vamos conhecendo a nossa natureza e o ideal para o qual devemos caminhar. Atrás de nós devem estar os vícios, à frente às virtudes. Mas apesar desta abstração, é importante entender que a questão não é assim tão simples. Criar sistemas não nos livrará da obrigação de buscar a sabedoria para responder adequadamente a cada situação. Esta é uma luta árdua e pejada de tentações. Muitas vezes iremos justificar as nossas quedas com discursos apelativos e racionalizações vazias. Teremos de nos confrontar amiúde com a dúvida e a insegurança. Não é muito mais fácil dizer “faz o que queres”? Foi por conhecer profundamente esta nossa condição que o Mestre nos ensinou a dizer: “livrai-nos do mal”!


Por Francisca Irina.
Pulicado originalmente pelo portal Tribuna Diária, em 23 de fevereiro de 2023.


Notas da editoria:

Imagem de capa “Birds of freedom”, por Rita Salazar Dickerson.


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