Quando a opinião faz mal à inteligência

Informação é como um acessório que pode ser esquecido e, talvez, seja perecível; conhecimento,
uma vez adquirido, fará parte do ser, é irreversível como a inocência perdida.”,
excerto do artigo: “O que é cultura?”.



Quando as pessoas julgam com base em opiniões e não mais em fatos reais, tornam-se vítimas de algozes desconhecidos. Mas a preferência subjetiva virou critério de veracidade e substituíram a informação pela opinião, o que transforma o debate público em uma arena sanguinária de luta pela realização dos menores e mais primitivos desejos. O resultado é uma formidável atrofia da inteligência que impede as pessoas de julgar adequadamente e as torna presa fácil de tudo o que escorre mídia abaixo.

A teoria democrática nos impõe a necessidade da tomada de decisões na sociedade, o que gera uma corrida persecutória e neurótica pela aquisição de uma opinião sobre os temas públicos. Essa corrida, por sua vez, gera uma espécie de mercado das opiniões. Originalmente, aos jornais caberia a oferta destes produtos a serem escolhidos conforme critérios de veracidade e objetividade. Com a constatação do limite do jornalismo em objetivar os fatos, além do espaço das páginas, passou-se à opção da verossimilhança como valor na compra de informações e ideias que se aproximassem dessas informações. Mas a verossimilhança era aceita devido a semelhança com a realidade ou alguma relação com ela. Afinal, a informação real é o lastro que confere valor à verossimilhança. Em seguida, os estudos em comunicação passaram a demonstrar o peso de critérios subjetivos na escolha seletiva de informações, tanto pelo público quanto pelos jornalistas. Inseriu-se à verossimilhança o aspecto subjetivo, individual.

Seis ou nove?O velho comércio de informações passa a ser mais do que um mercado de ideias e se torna uma venda de desejos a varejo. Com isso, a opinião ganha uma liberdade definidora para a própria realidade. A crença na livre opinião aparentemente deu ao público leitor dos jornais a hegemonia na interpretação dos fatos. Mas essa liberdade não está no leitor individual e sim no coletivo, na aceitação pública das informações. O consentimento passa a ser o critério de valor e o consenso a única forma de julgar.

A partir de então, a opinião livre goza de uma liberdade ilimitada, acima da possibilidade de objetividade, mas é severamente limitada pelos desejos subjetivos.

Mas já que a esfera pública é o palco das decisões políticas, como reza a teoria democrática, nada mais natural que as opiniões sejam critérios válidos. De válidos passam a inalienáveis, já que outro dogma da teoria democrática moderna e pós-moderna é o valor objetivo da aquisição de direitos, entendidos agora como a realização de desejos subjetivos. A única objetividade que sobrou, portanto, é a mais autoritária que se podia imaginar e que suplanta toda a possibilidade de valoração de outro critério.

Esse valor dado aos direitos vem da Revolução Francesa e do seu legado cultural, baseado na necessidade de libertação do indivíduo das amarras de sistemas opressores. Portanto, basta sentir-se oprimido para que um direito lhe seja prometido. As minorias se tornam o público perfeito para a promessa dessa emancipação, reflexo de opressões ideológicas. Ou seja, uma opinião, para ser socialmente válida, deve estar baseada em um sentimento de opressão, pois só assim ela é uma opinião legítima e pode portanto ser a reivindicação de um direito.

Isso quer dizer que uma opinião calcada exclusivamente em critérios verdadeiros, em fatos reais, acaba não sendo uma boa candidata à legitimação pública. O que temos visto é que muitas vezes ela pode ser totalmente desqualificada enquanto opinião justamente por ir contra os desejos minoritários ou majoritários de grupos mais mobilizados a defenderem seus anseios.

A seleção das informações, dessa forma, se torna refém das motivações ideológicas do público no momento da leitura, sim, mas também dos profissionais dos jornais, que cada vez mais atribuem valor noticioso à mudança de valores baseados na velha pretensa necessidade de emancipação cidadã, reencarnadas atualmente nas libertações de classe, sexual, etária, racial, animal, etc. O jornalismo tornou-se a fonte dos desejos não só das minorias, mas de todas as menores e mais insignificantes fantasias. O problema é que quanto mais você julga por estes critérios, mais se torna insensível para perceber a realidade.

Não é preciso dizer que o contato demasiado com opiniões, sem o remédio da informação e da verdade, atrofia a inteligência e desumaniza as pessoas, tornando-as monstros sem sensibilidade, apesar de em seus discursos derramarem lágrimas de amor generalista à humanidade. O decréscimo da inteligência no século XX até foi conclusão de uma pesquisa científica recente, embora algumas premissas da pesquisa revelem ter sido originadas por algumas opiniões resultantes justamente dessa perda de inteligência. Nisso aqueles cientistas mostram serem produto da conclusão a que chegaram.

Essa situação precária é ideal para se efetuar o controle da opinião pública, o controle do que é pensado. Não há melhor controle do que aquele por meio dos desejos que se apartaram voluntariamente da verdade, cujo objeto é constantemente prometido através de mecanismos sociais e simbólicos de compensação. Mas quando os jornais se tornam objeto de desejo justamente pelo seu potencial efeito de realização simbólica e política, não há mais nenhuma motivação para a verdade, já que os próprios jornalistas são produto desta situação e a universidade os ensina que verdade não existe. A verdade se torna a única vítima cujo desejo em impor-se é só inutilmente reivindicado por umas poucas vozes ditas autoritárias.

A cultura do politicamente correto, que fez dos desejos um valor objetivo, transformou o preconceito em crime hediondo, embora nem mais se saiba o que é isso. O aparente esforço em eliminar todo tipo de preconceito deu origem à mais cruel e satânica discriminação: o preconceito contra a verdade, essa palavra odiada nos meios universitários e cujo conceito se estuda como que a um ocultismo esotérico e supersticioso, digno somente dos velhos manuais e ouvido das bocas das crianças ingênuas que adentram o curso de jornalismo na vã esperança de aprender alguma coisa. Esta sim, mera opinião a ser desconstruída pela voz da verdade inquestionável de que não há verdade possível.


Escrito por Cristian Derosa.
Publicado originalmente pelo website Mídia Sem Máscara, em 4 de junho de 2013.


O autor é editor e colunista do website Estudos Nacionais, mestre em jornalismo pela UFSC e autor dos livros:
A transformação social: como a mídia de massa se tornou uma máquina de propaganda”, “Fake News: quando os jornais fingem fazer jornalismo” e “Fanáticos por poder: esquerda, globalistas, China e as reais ameaças além da pandemia”.


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