Receita para o caos

Grafite com Cidadão sendo abatido por Martelo de Juiz.

Leis são como salsichas. É melhor não ver como elas são feitas.”,
Otto von Bismarck (1815 – 1898): diplomata e político prussiano.



Na Inglaterra, um tribunal trabalhista decidiu que o veganismo ético – a recusa de consumir produtos de origem animal de qualquer tipo – é equivalente a uma religião ou crença filosófica e deve ser protegido pelas leis antidiscriminação.

Jordi Casamitjana, o vegano ético, levou seu empregador, uma instituição de caridade chamada “League Against Cruel Sports”, ao tribunal, alegando que a organização o demitira em razão de suas crenças. A instituição de caridade nega a acusação. Ela diz que o demitiu por justa causa: ele tornou público que a instituição de caridade investiu fundos de pensão em empresas que praticam experimentos com animais.

O tribunal ainda deve decidir se Casamitjana foi demitido em razão de suas crenças. À primeira vista, me parece improvável que tenha sido o caso, ainda que suas crenças sejam o que o levou a comportar-se da maneira como se comportou. Mas a ideia mesma de que um tribunal deveria sentir-se competente para dividir as crenças entre aquelas que sejam tanto verdadeiramente filosóficas quanto não prejudiciais a uma sociedade democrática – com critérios estabelecidos na lei que lhes confere proteção especial – e aquelas que não atendem a esses requisitos é preocupante. Isso equivale a um licenciamento virtual ou certificação de crenças, semelhante a um selo de boa governança que confere privilégios legais. Ela confere aos tribunais tanto o direito quanto o dever de decidir quais crenças são compatíveis com a democracia e quais não são. Essa é uma receita para uma disputa sem fim; para grande benefício dos advogados, sem dúvida, mas em prejuízo da paz da sociedade.

Se o tribunal decidir que a conduta de Casamitjana, por ter sido motivada por crenças legalmente protegidas da discriminação, é, portanto, ela mesma legalmente protegida de discriminação, isso poderia resultar no caos. Uma operadora de caixa de supermercado que se recusasse a manusear um produto de um tipo proibido por sua religião não poderia ser demitida em razão de sua recusa. Se uma empresa demitisse um trabalhador como este e alegasse estar justificada em fazê-lo pois a disposição em manusear o produto era uma condição para o emprego, poder-se-ia argumentar que a condição para o emprego era, em si, inerentemente discriminatória. Uma igreja não poderia dispensar um pastor que anunciasse o fato de que ele agora era um ateu, porque o ateísmo é uma crença filosófica compatível com a democracia.

Talvez seja inglório para uma instituição de caridade que se opõe a esportes que envolvem crueldade com animais investir em empresas que praticam experimentação animal (embora, evidentemente, esportes e testes de laboratórios sejam atividades diferentes, com diferentes justificativas). Mas é também inglório que um homem que se deleita na divulgação pública de informação deletéria sobre seu empregador deva exigir emprego permanente, utilizando proteções legais altamente facciosas como instrumento de coerção. É querer, ao mesmo tempo, assobiar e chupar cana – orgânica, é claro!


Escrito por Theodore Dalrymple. Traduzido por Victor Terra.

Artigo original publicado na revista City Journal, disponível em:
https://www.city-journal.org/ethical-veganism-religious-discrimination-debate.



Sobre o autor:
Theodore Dalrymple é pseudônimo de Anthony Daniels. É crítico cultural, médico psiquiatra e autor de dezenas de livros. Nasceu em Londres (Reino Unido) em 1949. Em 2011, recebeu o Prêmio pela Liberdade (Prijs voor de Vrijheid), concedido pelo think-tank holandês Liberal.


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