A inesperada utilidade de leitores petistas

Obra: "A Calúnia de Apeles" (1495), por Sandro Botticelli (1445 - 1510)

Pois a calúnia vive por transmissão,
Alojada para sempre onde encontra terreno.

William Shakespeare (1564 – 1616)

“É urgente ter paciência.”
Johann Goethe (1749 – 1832)



Não raro, petistas escrevem para me criticar, sem perceber que sugerem temas importantes. É o que fez o leitor que, comentando meu artigo “O silêncio de uma nação”, pediu:

Professor faça um texto com uma reflexão sobre as joias e o Cid e o general pai, enfim, as muambas que se desvendam diariamente. Este assunto que o sr. passa à margem não condiz com uma pessoa que se diz intelectual e de bem.

Muito mais importante do que responder ao leitor que não “me digo intelectual”, por saber que não sou mais que mero aprendiz, é explicar como uma pessoa “de bem” se conduz, em sua comunicação social, perante casos como esse em que ele gostaria de colher apressada opinião.

Apenas uma vez na vida cometi o erro que o leitor deseja que eu repita. Há trinta anos, embarquei, ingenuamente, na campanha de difamação movida pelo PT contra Alceni Guerra, ministro da Saúde no governo de Collor de Mello. A mídia companheira triturava o governo, já em decadência rumo ao impeachment. Denúncias de corrupção pipocavam envolvendo a pessoa do presidente e o caso contra Alceni (superfaturamento na compra de bicicletas para agentes de saúde) era um prato cheio para minhas ironias e sarcasmos.

A vítima daquela difamação trilhou um longo caminho até o reconhecimento de sua inocência e restauração de sua vida como prefeito de sua cidade e como parlamentar honrado e respeitado. Passadas três décadas, esse caso pesa em minha consciência, deixando uma linha divisória que nunca mais ultrapassei: não conjeturar sobre a honra alheia e não verbalizar um conceito antes de decisão competente que o estabeleça. Jamais pelo noticiário da hora!

A vida me ensinou quanto são afobados, instrumentalizados e irresponsáveis os juízos prévios na vida pública. E como são hipócritas os espalhafatosos censores da conduta alheia. São hipócritas porque especulam sobre a honra dos adversários, mas votam em ladrões, se os ladrões forem companheiros.

Esclareço. Suponhamos que ao cabo das investigações, dos trabalhos de acusação e defesa, se acumulem contra o ex-presidente provas como as que levaram às condenações do atual presidente da República. Bolsonaro nunca mais terá meu voto. Então, e só então, me sentirei autorizado a emitir um juízo moral e verbalizar minha indignada decepção. Jamais gastarei meu pobre português para escrever textos como os do noticiário de hoje, nos quais, em meio às gravíssimas suspeitas investigadas, se entremeiam adjetivos como “supostos”, “possíveis”, etc., usados por salvaguarda de uma prudência habitualmente em falta no almoxarifado dos fatos.


Por Percival Puggina.
Publicado no website do autor em 12 de agosto de 2023.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “A Calúnia de Apeles” (1495), por Sandro Botticelli (1445 – 1510).


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