A inocência “sem a qual as coisas não seriam senão o que são”

Obra: "Back lit swans", por Bruce Dumas.

* Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em 29 de agosto de 1992.
Esta transcrição não passou pela revisão do autor.



Quando menino, no Jardim da Luz da São Paulinho de antigamente, o que constituía um dos meus encantos eram os cisnes à beira do lago. Eles saíam de umas casinholas de porcelana e apareciam majestosos. Realizavam em mim um ideal: moverem-se sobre as águas sem fazer esforço. Eu não percebia que as patas deles faziam esforço, pois nunca fui bom observador nos aspectos “mecânicos” da natureza.

Eu via o cisne leve, flutuando, gostando da água, mas se sentindo superior a ela, e aristocraticamente olhando a água de cima. De maneira tal, que se tinha a impressão de que da posição do pescoço — numa espécie de “S” sublime — se irradiavam todas as delícias do aristocratismo.

Depois de contemplar os cisnes, aquela espécie de ápice das delícias do Jardim da Luz, eu voltava para casa considerando uma porção de coisas que dizem respeito à ordem universal vista sob certo ângulo. Era a natureza, mas vista com olhos de um inocente batizado.

Isso me conduzia ao desejo de certa super-inocência, de super-pureza, de super-virtude, que era o necessário para que tudo aquilo atraísse tanto.

Claude Lorrain, um artista francês, gostava de pintar a luz do sol refletindo sobre as coisas. Às vezes, paredes manchadas, leprosas de tão velhas, mas com o sol batendo, aquelas manchas ficavam parecidas com pedras semi-preciosas enchendo a parede.

Há uma frase, esta de outro francês, o poeta Edmond Rostand, como que saudando o sol e dizendo: “Le soleil, sans lequel les choses ne seraient que ce qu’elles sont”. (O sol, sem o qual as coisas não seriam senão aquilo que são).

Analogamente, poder-se-ia a fortiori assim saudar a inocência: “sans laquelle les  choses ne seraient  que ce qu’elles sont”. Ou seja, o mesmo jardim, visto por um menino sem inocência, que teria vontade de matar os passarinhos, de sair correndo para pegar um cisne, de quebrar a casinha dele, de promover brigas de uns com os outros, veria as coisas como elas são, sem as luzes do sol.

Já um menino inocente via uma ordem de coisas como elas deveriam ser no que havia de melhor, apontando para o que elas deveriam ser de um modo superior.


Por Plinio Corrêa de Oliveira (1908 – 1995).
Publicado pela Revista Catolicismo, número 877 de janeiro de 2024.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “Back lit swans”, por Bruce Dumas.


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