A Internacional Incendiária e a Amazônia

Recorte da pintura "A Eterna Amazônia", por Sueli Dabus.

Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo tempo;
mas não se pode enganar a todos por todo tempo.”,
Abraham Lincoln (1809 – 1865): 16° Presidente dos Estados Unidos da América.



Sobre os incêndios na amazônia e na imprensa internacional, o primeiro inclui-se em duas possibilidades, intencionais e naturais. Os casos que envolvem a voluntariedade humana são para a polícia e a justiça, é investigar, julgar e prender os responsáveis, c’est fini. A segunda possibilidade é a natural — Exato, caro leitor, o fogo também é um elemento da natureza e já queimava tudo por aí antes mesmo da humanidade existir. Ocorre que o elemento natureza tem sido olvidado no noticiário global. Não se vê jornal nenhum tratando sobre isso, assim como não se vê relato das proporções e números que envolvem a preservação das florestas brasileiras, pois deixam claro que o bioma amazônico continua sendo um dos mais preservados do planeta. Números e estudos estão, a todo o tempo, sendo manipulados, a fim de atender interesses escusos e agendas específicas. Cabe ao leitor moderno exercer o seu filtro particular, no meio do caos da hiperinformação.

Ao analisar-se o aspecto natural dos incêndios, primeiramente, observa-se que os biomas não são ilhas isoladas, encontram-se uns com os outros e compartilham características em “zonas de transição”. Para surpresa da “gringaida” toda a amazônia está cercada, em sua maior extensão, por… Cerrado! Um bioma seco, de árvores retorcidas, com cascas grossas, bagos duros e ríspidos, sendo um dos elementos essenciais de seu ciclo, pasmem, o fogo! Sim, fogo no cerrado não surpreende muita gente. Inclusive, existem inúmeras espécies vegetais do sertão cujo florescer e proliferação dependem do fogo, que consome as cascas duras de seus frutos e prepara-lhes as sementes para a germinação. Há, também, teorias de que o simples atrito entre o pelo espesso de animais e a vegetação, no correr de tamanduás-bandeiras e lobos-guarás, por entre o mato alto e seco, tem potencial de ignição suficiente para gerar o início de alguns dos incêndios cíclicos que se vê no cerrado durante os períodos mais áridos; parecem bem prováveis essas elucubrações, o que não exclui os inúmeros incêndios do tipo criminoso.

Ocorre que a flora do cerrado vive em simbiose com os incêndios, a da amazônia, não; o que não impede que os incêndios do cerrado se alastrem por zonas de vegetação intermediárias com a amazônica. Conclusão, o fogo não é um elemento excluído, pela própria natureza, do contexto das florestas. Trata-se de uma rememoração importante nesse momento de frenesi nacional e internacional. Obviamente, ninguém advoga que biomas queimem descontroladamente, nem que não há um importante fator criminoso no que se vê nesse ano de 2019 e em todos os anteriores, nem que as queimadas não devam receber atenção e articulação do governo Federal. Tão somente se lembra que é importante desvendar, sistematizar e entender cientificamente a causa dos incêndios, para chegar a soluções presentes e futuras, que visem à preservação ainda maior da floresta amazônica. Assim como é necessário reforçar os órgãos administrativos e jurídicos de persecução criminal que fazem frente aos crimes ambientais, aumentando o tamanho e abrangências dos órgãos federais de polícia, justiça e proteção ambiental nos estados amazônicos.

Sobre o segundo incêndio, o da imprensa internacional, esse merece igual ou maior atenção e só endossa a preocupação, de mais de um século, do exército brasileiro, com o reforço da soberania sob o quinhão amazônico que lhes cabe proteger. Preocupação essa que deve ser levada extremamente em conta, principalmente, em tempos de reunião do G7 discutindo sobre a amazônia sem a presença do Brasil, país que detém a maior parte desse bioma, e artigos da imprensa “progressista”, com chamadas do tipo: “Quem invadirá o Brasil e salvará a Amazônia”. É leitor, você não leu errado, essa foi a chamada do artigo do professor de Havard, Stephen M. Walt, publicado pela Foreign Policy, no começo do mês de agosto desse ano, alguns dias antes dessa “crise dos incêndios”. Por enquanto, só gerou mesmo, uma invasão virtual de “twitteiros” brasileiros nos perfis do professor e da revista. Pode parecer engraçado, a primeira vista, mas obteve algum efeito, uma vez que mudaram o título da reportagem. Ocorre que esses episódios pitorescos externam uma antiga relativização, por parte de uma certa intelligentsia internacional, da soberania dos países amazônicos sob seu próprio território.

É inegável que, no intrincado xadrez internacional, existem agrupamentos digladiando-se em busca de poder e reordenação das forças globais. Essas, atualmente, não se resumem apenas aos Estados Nacionais, mas a organismos transnacionais, megacorporações multinacionais, entre outros atores globais. A “cartada” floresta amazônica não foi lançada agora, mas antes mesmo do governo de Jair Bolsonaro ser eleito. Foi marcada por uma reportagem da revista The Economist, prevendo o cataclismo global, caso Bolsonaro ganhasse. Agora, às vésperas de um acordo internacional entre Mercosul e União Europeia, o presidente francês, Emmanuel Macron, nem um pouco interessado na concretização desse pacto, estrategicamente, reutiliza a carta “pulmão do mundo”, aproveitando-se de desgastes internos e desconcertos gerados pelo próprio governo. Consegue, assim, tentar reaver a aprovação interna francesa, que já não possui, e se posicionar como uma liderança global alternativa. Inegavelmente, foi uma boa jogada do francês, mas não é um xeque-mate.

Sob essa perspectiva da macropolítica, pontua-se que a opção dos constituintes brasileiros de 1988, idealistas e bem-intencionados, talvez, não tenha sido suficientemente realista ao abdicar de nosso potencial nuclear. Aquele buraco da Serra do Cachimbo, na amazônia paraense, projetado para nossos testes de defesa nuclear, não deveria ter sido nunca tampado. Nesse ponto, pelo que este escriba conheceu (das influências na adolescência) até a velha guarda da esquerda nacionalista concordaria — provavelmente por não conceber as sutilezas e abrangências inevitáveis em que estavam metidos. Os antigos brasileiros, todavia, de algumas décadas atrás (alguns ainda vivos), em horas como essas, deixavam suas posições políticas de lado, sabiam o que estava em jogo, a reposta vinha em coalizão quase uníssona. Como já dizia um antigo povo que entendia bem de táticas militares, Si vis pacem, para bellum (se queres paz, te prepara para guerra). A paz nuclear talvez seja a única real que essa humanidade concebeu. Funciona como cães de rinha amarrados, uns de frente para os outros, num círculo em que o raio feito pelas correntes é curto, impossibilitando a chegada ao centro da roda e o embate físico. As vezes acontece umas rusgas e ferozes latidos, mas a corrente sempre está lá, a lembrar dos limites. Pode arrebentar? Pode, todo potencial é contido pelo campo das possibilidades, mas tudo indica que a corrente é bem segura, afinal, o rompimento representa o fim de todas as discussões e de tudo o mais que existe.

O fato é que o mundo atual vive sob a égide dessa paz, queiram os idealistas ou não, é o que é, potências nucleares não entram em guerra direta, é o equilíbrio atômico. Os sonhadores são belos, mas poderão sempre ser surpreendidos por deslealdades que desfigurarão sua própria essência. No caso do Brasil, que extirpará cerca de cinquenta por cento de seu território. Evidentemente, trata-se de uma discussão extremamente sensível, que envolveria juridicamente PEC’s (projetos de emenda à Constituição) e denúncias de tratados internacionais. Se realmente um dia sair-se do campo teórico, dever-se-á levar um debate estratégico fortíssimo, com articulações silenciosas nacionais e internacionais, sobretudo com os EUA; de forma que, após concluídas, devam ser operacionalizadas legal e instrumentalmente em um intervalo extremamente curto de tempo. Os incêndios serão apagados em algumas semanas, o mundo não vai acabar, mas essa reflexão merece ser levada a diante, discretamente, não como uma discussão de estados emocionais, ou de um governo específico, mas como um projeto do Estado Brasileiro.


Goiânia, 24 de agosto de 2019.
O autor, Pedro Augusto Teles De Almeida Barbosa é advogado.


Nota do editor:

A imagem associada a esta postagem ilustra recorte da obra: “A Eterna Amazônia”, criada pela artista plástica brasileira Sueli Dabus.


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