Ativismo judicial

Obra: "An allegory of justice combatting injustice" (1737), por Jean-Marc Nattier (1685 - 1766).

Projeto pretende legalizar a atuação do STF como legislador



Enquanto o Senado aprova em dois turnos a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 8/2023, que limita as decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal, e remete a matéria à Câmara1;

Enquanto na Câmara, a PEC 50/2023, que estabelece a competência do Congresso Nacional para derrubar decisões do Supremo Tribunal Federal que extrapolem os limites constitucionais, é encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça;

Enquanto as duas Casas – Câmara e Senado – se unem para combater os desmandos da Suprema Corte, eis que um singelo projeto de lei (PL 3.640/2023) avança discretamente pela Câmara para legitimar o ativismo judicial.

Recordando…


Em 29/05/2008, durante o julgamento da ADI 3510 (morte de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia), dizia o Ministro Ricardo Lewandowski:

Esta Corte tem estabelecido condicionantes quase que adentrando no campo do legislador, por exemplo, no caso da Lei de Greve no serviço público e da fidelidade partidária. Nós estamos em uma nova fase histórica no STF, em que essa Casa assume um novo protagonismo2.

Na frase acima, o “quase que” poderia ser suprimido. Já naquela época, o STF estava de fato adentrando no campo do legislador. O Ministro Gilmar Mendes, porém, considerava isso algo positivo. Segundo ele, era possível antever

que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais europeias3.

Em 2012, o jurista Ives Gandra da Silva Martins já denunciava a invasão da competência do Congresso Nacional pelo Supremo Tribunal Federal:

Ora, a Suprema Corte brasileira, constituída no passado e no presente, por ínclitos juristas, parece hoje exercer um protagonismo político, que entendo contrariar o artigo 103, § 2º da CF que o impede de legislar.

Assim é que, a partir dos 9 anos da gestão Lula-Dilma, o Pretório Excelso passou a gerar normas, como nos casos de empossar candidato derrotado – e não eleito direta ou indiretamente – quando de cassação de governantes estaduais (art. 81 da CF), da fidelidade partidária, que os constituintes colocaram como faculdade dos partidos (art. 17 § 1º); do aviso prévio (art. 7º, inc. XXII); da relação entre homossexuais (art. 226 § 3º), do aborto dos anencéfalos (art. 128 do C. Penal), para citar apenas alguns4.

Legalizando o abuso do STF


O Projeto de Lei 3640/2023, apresentado pelo deputado Marcos Pereira (Republicanos /SP) em 31/07/2023, é, segundo o que consta de sua Justificação,

o resultado do trabalho desenvolvido por uma Comissão de Juristas, presidida pelo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, com objetivo de sistematizar as normas de processo constitucional brasileiro.

Entusiasmado com a usurpação da função legislativa pelo STF, Gilmar Mendes criou um projeto para tornar legal tal abuso. O PL 3640/2023, que “dispõe sobre o processo e o julgamento das ações de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”, diz textualmente em seu artigo 47: “O Tribunal poderá proferir decisões de caráter aditivo ou normativo”. Em seguida, ele explica o que são tais decisões manipulativas: as aditivas e as normativas:

Art. 48 Consideram-se aditivas as decisões em que o Supremo Tribunal Federal, ouvidos todos os possíveis interessados, complementa textualmente o ato normativo impugnado para fazer sua adequação à Constituição Federal.

Art. 49 Consideram-se normativas as decisões em que, após prévia declaração de inconstitucionalidade por omissão, o Tribunal estruture as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.

O projeto, portanto, autoriza a Suprema Corte a agir não apenas como legislador negativo (declarando inconstitucional uma lei) mas também como legislador positivo, ou seja, criando normas ou condições sob o pretexto de adequar a lei à Constituição Federal. É o que se pretende fazer, por exemplo, com ADPF 442: que o STF legalize o aborto até três meses de gestação.

Convém ligar para o Disque Câmara [0800 0 619 619] pedindo aos membros da Comissão de Justiça e Cidadania que votem CONTRA o parecer do relator Alex Manente (Cidadania/SP) ao PL 3640/2023


Por Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz.
O autor é vice-presidente da Associação Pró-Vida de Anápolis.


Nota:

  1. A PEC 8/2023 foi aprovada em segundo turno pelo plenário em 22/11/2023 por 52 votos favoráveis e 18 contrários. Já havia sido aprovada na Comissão de Constituição e Justiça em 04/10/2023. Subir
  2. O grifo não é do original. Subir
  3. Voto na ADI 3510, 29 maio 2008, p. 35. Subir
  4. Ives Gandra da Silva Martins, Os dois Supremos, Folha de S. Paulo, 25 maio 2012. Subir

Nota da editoria:

Imagem da capa: “Uma alegoria da justiça no combate à injustiça” (1737), por Jean-Marc Nattier (1685 – 1766).


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