Breve história do blue jeans

Calça jeans com foco no rebite

A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa.”,
George Orwell (1903 – 1950): escritor inglês.



O jornalista George F. Will, do “Washigton Post”, publicou em 16 de abril de 2009 o artigo Demon denim. Analisa a influência exercida pelo blue jeans sobre quem o usa; e também sobre quem a ele se conforma, mesmo sem usá-lo.

George Will cita uma recente colaboração do escritor norte-americano Daniel Akst, publicada pelo “Wall Street Journal”, segundo o qual o blue jeans é sinal da profunda contradição de um aspecto da sociedade ocidental, sobretudo da burguesia:

“Como é possível que a burguesia se vista de um modo que não representa o que ela é? Esse modo igualitário de vestir representa para os norte-americanos, ora o uniforme infantil da nação, ora os paramentos sacerdotais dos sequazes do catecismo democrático que prega a igualdade entre todos”.

Demon denim mostra o efeito nivelador e igualitário do jeans. E Daniel Akst, com a clarividência habitual de sociólogos norte-americanos, termina afirmando, de modo admirável, a existência de uma linha direta entre a queda da Bastilha e o blue jeans.

Que linha direta é esta entre um acontecimento político tão antigo e um modo atual de vestir? Os revolucionários franceses, ao derrubar a Bastilha, proclamavam entre outros erros a igualdade total entre os homens: “Liberté, égalité, fraternité. Visto que o blue jeans tornou-se um uniforme, “um modo igualitário de vestir”, Akst viu logo que linha é essa.


As “calças azuis”: origem no ambiente operário

O blue jeans surgiu no mundo operário. Jakob W. Davis, trabalhador nas minas de Comstock, em Nevada (Estados Unidos), é reconhecido como o criador das “calças azuis rebitadas”, no fim dos anos 60 do século XIX. Ele criou uma roupa resistente usando o mesmo tecido das tendas de acampamento, com um tipo de costura aparente utilizada então para selas e arreios.

Mulher representando Revolução por meio do blue jeansO operário das minas era frequentemente rústico, sem religião, admitindo poucos princípios morais. Colado ao corpo, revelando formas anatômicas, o blue jeans teve desde o início uma expressão de força do trabalho e de juventude sexualmente ativa. A revolução sexual, portanto, estava presente em suas formas. A partir de 1935 a propaganda passou a apresentar também mulheres vestidas com blue jeans.

Anna Schober é doutora em Filosofia, escreve sobre História da Arte e vive em Viena. Publicou recentemente os resultados de sua investigação sobre as calças azuis, num volume intitulado Vom Leben in Stoffen und Bildern. Surpreendeu-a a constatação de que a história dessa calça é a de um imenso esforço publicitário para impor uma moda: o blue jeans. O processo da difusão das calças azuis se confunde com a história das técnicas de propaganda religiosa e ideológica, através de programas radiofônicos, filmes, revistas, painéis publicitários. Num desses painéis, de 1946, aparece Marilyn Monroe vestindo blue jeans, já com o ventre à mostra — moda que só se fixaria 50 anos mais tarde.

O esforço da propaganda obteve resultado. A calça com rebites deixou o mundo do trabalho e tornou-se símbolo de grupos sociais. Nenhuma outra peça indumentária foi, no século XX , tão propalada; a tal ponto que, em certo momento, ela se tornou um dos símbolos do século.


Tendências contraditórias despertadas pelo blue jeans

Qual o efeito psicológico causado pelo blue jeans? Que tendências desperta? Cria ele um ambiente revolucionário? Pesquisas de opinião revelam que as duas primeiras tendências despertadas por essa roupa são: vontade de ser igual a todos e de sumir na massa, tornando-se imperceptível, portanto sendo “como todo mundo”. Entretanto, se esse traje dá a quem o usa a sensação de imperceptibilidade, contraditoriamente causa impressão de notoriedade, ao realçar as formas do corpo.

Inicialmente, durante a fase de lançamento, o blue jeans atraiu os espíritos apaixonados por inovações, em razão da ruptura com o gosto dominante, com a formalidade e com a tradição. Vesti-lo, importava numa crítica radical à sociedade vigente. Imperceptibilidade e proeminência, eis a misteriosa contradição suscitada por essa calça. Ela parece proclamar: “Queres ser diferente? Padroniza-te”.

Ao lado destes dois estímulos psicológicos há um terceiro: ela evoca uma “simpática” proletarização da sociedade. Esse efeito de proletarização requintou-se mais tarde nos modelos sucessivos apresentados pelos fabricantes, primeiramente desbotados e depois rasgados e esfarrapados.


Blue jeans: rumo ao uniforme tribal da sociedade

Bola gigante formada por calças jeans expostas em shopping center.O modo de trajar, diz Plinio Corrêa de Oliveira, denota uma preferência por certos princípios expressos simbolicamente pelas formas do traje; e as almas são influenciadas muito mais pelos princípios vivos, contidos nos ambientes e nas modas, do que pelas teorias filosóficas expostas nos tratados.

Segundo Anna Schober, o símbolo atua particularmente na vida quotidiana, impregnando os espíritos com o princípio simbolizado. E a idéia que a calça suscita é a proletária, e de um mundo em contradição consigo mesmo. Ela habitua assim as mentalidades ao igualitarismo de sabor marxista e ao absurdo próprio do comunismo.

Os trajes exprimiram infalivelmente, através dos tempos, a mentalidade de quem os criou e usou. A disseminação das “calças americanas” revela um prodigioso processo de despersonalização dos povos. O blue jeans tornou-se um uniforme. Setores inteiros da sociedade passam a se padronizar, levados inicialmente pela rebeldia contra a mediocridade do mundo burguês. De início imposto como a indumentária da era industrial, passou em seguida a evocar o gosto juvenil pela liberdade absoluta. Hoje, sua atração totêmica se exerce sobre todas as idades e o transforma aos poucos no uniforme tribal da sociedade pós-moderna.


Escrito por Nelson Ribeiro Fragelli.
Publicado originalmente pela Revista Catolicismo em fevereiro de 2010.


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