Diversas provas de Jesus Cristo

Obra: "Tempestade no mar da Galileia" (1633), de Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606 - 1669).

Excertos da obra “Pensamentos“, de Blaise Pascal (1623 – 1662).

Pensamentos“ refere-se a uma coleção de fragmentos, notas e ensaios redigidos

pelo próprio matemático, físico, inventor, filósofo e teólogo francês. Pascal começou
a trabalhar nesses textos por volta de 1656, mas a obra nunca foi concluída devido à sua morte
prematura, em 1662. Postumamente, os manuscritos foram organizados e publicados por seus amigos e colaboradores.



Os apóstolos foram enganados ou enganadores. Um ou outro é difícil. Com efeito, não é possível pegar um homem para ser ressuscitado; e a hipótese dos apóstolos trapaceiros é bem absurda. Sigamo-la até ao fim; imaginemos esses doze homens reunidos depois da morte de Jesus Cristo, fazendo a conspiração de dizer que ele ressuscitou. Eles atacam com isso todas as potências. O coração dos homens é estranhamente inclinado à leviandade, à mudança, às promessas, aos bens. Por pouco que um deles fosse desmentido por todos esses atrativos e, o que é mais, pelas prisões, pela tortura e pela morte, eles estavam perdidos. Sigamos isso.

Enquanto Jesus Cristo estava com eles, podia sustentá-los. Mas, depois disso, se não lhes apareceu, quem os fez agir?




O estilo do Evangelho é admirável de tantas maneiras, e, entre outras, não pondo nunca nenhuma invectiva contra os carrascos e inimigos de Jesus Cristo. Com efeito, não há nenhuma dos historiadores contra Judas, Pilatos, nem nenhum dos judeus.

Se essa modéstia dos historiadores evangélicos tivesse sido afetada, assim como tantos outros traços de um belo caráter, e se a tivessem afetado somente para fazê-lo notar; se eles próprios não tivessem ousado notá-lo, não teriam deixado de conseguir amigos que tivessem feito esses reparos em seu proveito. Mas, como agiram dessa forma sem afetação e por um movimento todo desinteressado, não o fizeram notar a ninguém; e creio que várias dessas coisas não foram notadas até aqui; e é o que testemunha a frieza com a qual a coisa foi feita.




Jesus Cristo fez milagres, e os apóstolos em seguida, e os primeiros santos em grande número; porque as profecias, não estando ainda realizadas e realizando-se por eles, nada testemunhavam senão milagres. Estava predito que o Messias converteria as nações. Como se teria realizado essa profecia sem a conversão das nações? E como as nações se teriam convertido ao Messias, não vendo este último efeito das profecias que o provam? Antes, pois, de ter sido morto, ressuscitado, e (de ter) convertido as nações; nem tudo estava realizado; e, assim, foram necessários milagres durante todo esse tempo. Agora, já não são necessários contra os Judeus; pois as profecias realizadas são um milagre subsistente.




Blaise Pascal(O estado em que se veem os judeus é ainda uma grande prova da religião. Com efeito), coisa assombrosa e digna de estranha atenção é ver o povo judeu subsistir depois de tantos anos, e vê-lo sempre miserável: sendo necessário, para a prova de Jesus Cristo, não só que eles subsistam para prová-lo, mas ainda que sejam miseráveis, de vez que o crucificaram; e, embora sejam contrários ser miserável e subsistir, todavia ele subsiste sempre, mau grado sua miséria.

(Mas, não estiveram eles quase no mesmo estado do cativeiro? Não. O cetro não foi interrompido pelo cativeiro de Babilônia, porquanto a volta estava prometida e predita. Quando Nabucodonosor conduziu o povo, de medo que não se cresse que o cetro fora tirado de Judá, foi-lhes dito antes que eles seriam poucos e que seriam restabelecidos. Foram sempre consolados pelos profetas; seus reis continuaram. Mas, a segunda destruição é sem promessa de restabelecimento, sem profetas, sem reis, sem consolação, sem esperança, porque o cetro foi tirado para sempre.

Não é ter sido cativo o tê-lo sido com certeza de ser libertado em setenta anos. Mas, agora, eles o são sem nenhuma esperança.

Deus lhes prometeu que, ainda que os dispersasse para os confins do mundo, todavia, se eles fossem fiéis à lei, os reuniria. Eles são muito fiéis a ela e continuam oprimidos. (É preciso, pois, que o Messias tenha vindo, e que a lei que continha essas promessas tenha acabado pelo estabelecimento de uma lei nova).




Se os judeus tivessem sido todos convertidos por Jesus Cristo, só teríamos testemunhos suspeitos; e, se tivessem sido exterminados, não teríamos testemunho algum.

Os judeus o recusam, mas não todos. Os santos o recebem, e não os carnais. E tanto não é certo que isso seja contra a sua glória, que é o último traço que a acaba. A razão que apresentam e a única que se acha nos seus escritos, no Talmud e nos rabinos, consiste apenas em que Jesus Cristo não dominou as nações à mão armada, gladiam tuim potentissime: só isso têm que dizer? Jesus Cristo foi morto, dizem eles; sucumbiu; não dominou os pagãos pela força; não nos deu seus despojos; não dá riquezas. Só isso têm que dizer? É nisso que ele me é amável. Eu não desejaria o que eles imaginam.




Como é belo ver, pelos olhos da fé, Dario e Ciro, Alexandre, os romanos, Pompeu e Herodes, agirem, sem o saber, pela glória do Evangelho!




A religião maometana tem por fundamento o Alcorão e Maomé. Mas, esse profeta, que devia ser a última espera do mundo, foi predito? E que marca tem ele que não tenha também todo homem que queira dizer-se profeta? Que milagre disse ele próprio ter feito? Que mistério ensinou? Segundo a sua própria tradição, que moral e que felicidade?

Maomé (é) sem autoridade. Seria preciso, pois, que as suas razões fossem bem poderosas, tendo apenas a sua própria força. Que disse, pois? Que é preciso crer nele.




De duas pessoas que contam tolas histórias, uma com duplo sentido entendido na cabala, outra com um sentido apenas: se alguém, não sendo do segredo, ouvir discorrer as duas dessa maneira, fará a respeito o mesmo julgamento. Mas, se, em seguida, no resto do discurso, uma diz coisas angélicas, e a outra sempre coisas chatas e comuns, julgar-se-á que uma falava com mistério, e não a outra; uma, tendo mostrado bastante que é capaz de tais tolices e capaz de ser misteriosa; e a outra, que é incapaz de mistério e capaz de tolices.




Não é porque haja obscuro em Maomé e se possa fazê-lo passar por ter um sentido misterioso que eu quero que se julgue isso, mas porque há claro, por seu paraíso, e pelo resto. E nisso que ele é ridículo. E eis porque não é justo tomar obscuridades por mistérios, visto como suas clarezas são ridículas. Não se dá o mesmo com a Escritura. Quero que haja obscuridades que sejam tão bizarras quanto as de Maomé, mas há clarezas admiráveis e profecias manifestas e realizadas. A partida não é, pois, igual. É preciso não confundir e igualar as coisas que só se assemelham pela obscuridade, e não pela clareza que merece que se respeitem as obscuridades.

O Alcorão diz que São Mateus era homem de bem. Portanto, Maomé era falso profeta, ou chamando maus a homens de bem, ou não acreditando neles pelo que disseram de Jesus Cristo.




Todo homem pode fazer o que fez Maomé: porque ele não fez milagres; ele não foi predito. Nenhum homem pode fazer o que fez Jesus Cristo.

Maomé (se estabeleceu) matando, Jesus Cristo fazendo matar os seus; Maomé proibindo que se lesse, os apóstolos ordenando que se lesse. Enfim, isso é tão contrário que, se Maomé tomou a via de vencer humanamente, Jesus Cristo tomou a de perecer humanamente. E, em lugar de concluir que, desde que Maomé venceu, Jesus Cristo ponde vencer, é preciso dizer que, desde que Maomé venceu, Jesus Cristo devia perecer.


Por Blaise Pascal (1623 – 1662).
Trechos da obra Pensamentos.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “Tempestade no mar da Galileia” (1633), por Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606 – 1669).


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