Dois excertos da obra: “Como falar, como ouvir”

Esta postagem contém dois excertos da obra: “Como falar, como ouvir”, escrita por Mortimer Adler (1902 – 2001).
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Atribuímos para cada um dos trechos, o título do respectivo capítulo de onde foram obtidos.
No entanto, apesar de conterem acepções completas, não demonstram todo o potencial de cada capítulo ou da obra, para tanto, use os links contidos nesta postagem.



Excerto I: Como tornar um colóquio proveitoso e agradável


Uma hora “jogando uma boa conversa fora” é como uma hora praticando um esporte amador. Ela pode ser mais do que simplesmente prazerosa; pode ser hilariantemente divertida, em especial se os participantes observarem as boa maneiras e se houver concessões mútuas equivalentes.

O assunto, ou os assuntos, pode mudar e se desenvolver à medida que o colóquio progride. Pessoas, assim como acontecimentos e até ideias, podem constituir o tema em debate. É importante encontrar assuntos que interessem a todos os envolvidos. Se você perceber uma expressão fastidiosa em qualquer ouvinte é prudente mudar o assunto, seja você o falante ou não.

Obra: “Como Falar, como ouvir”,escrita por Mortimer Adler (1902 – 2001). Publicado por É Realizações, sob ISBN: 978-85-8033-142-4. Traduzido por Hugo Langone.Permitam-me registar uma breve lista de coisas que devem ser evitadas quando “se joga conversa fora”, no intuito de tornar a comunicação o mais prazerosa possível: (1) vulgaridade ou blasfêmia; (2) piadas e difamações étnicas; (3) prepotência, em especial quando se finge ser íntimo de pessoas influentes para causar boa impressão; (4) clichês; (5) palavras e expressões estrangeiras, exceto quando perfeitamente pronunciadas e quando compreendidas por todos; (6) clichês estrangeiros, como entre nous, ciao, savez-vous? e outros do tipo; (7) palavras incomuns, especialmente aquelas conhecidas somente pelo especialista ou pelo perito acadêmico; e (8) a repetição de histórias ou acontecimentos antigos, aos quais os outros já tiveram a oportunidade de escutar muitas vezes.

Existem certos assuntos que não precisam ser necessariamente evitados, mas que devem ser abordados apenas diante de amigos próximos e verdadeiramente interessados. São eles: (1) seu próprio estado de saúde ou suas operações cirúrgicas recentes; (2) seus bebês e as fofas proezas que realizam; (3) seus filhos e suas brilhantes conquistas; e (4) seu animal de estimação, a não ser que ele seja um elefante, um jacaré ou uma jiboia.

Além disso, há um determinado número de proibições a serem observadas, restrições sensatas que com muita frequência são infringidas:

  1. Não divague ou mude de assunto se o colóquio estiver fluindo bem.
  2. Não se meta na vida privada de outras pessoas e não faça perguntas demasiadamente pessoais.
  3. Não dê espaço para fofocas maliciosas.
  4. Não fale sobre questões confidenciais se você realmente espera que os outros não as espalhem por aí.
  5. Não tagarele sem parar. Da mesma forma, não embeleze seu discurso desnecessariamente, valendo-se de ruídos de comunicação como “sabe”, “tipo assim” e “de verdade”.
  6. Não diga “Veja” quando, na verdade, você quer dizer “Por favor, escute”.

Do lado positivo, existe uma série de coisas dignas de serem recomendadas, como as que seguem:

  1. Pergunte aos outros sobre eles mesmos; ao mesmo tempo, tome cuidado para não falar demais sobre si próprio.
  2. Module sua voz. Ria quando se sentir motivado, mas evite uma risada estridente e não ria de suas próprias observações.
  3. Escute quem estiver falando e deixe claro que você está ouvindo, evitando que seus olhos e sua atenção se desviem.
  4. Se outra pessoa ingressar no colóquio, atualize-a sobre o que está sendo debatido e encoraje-a a se envolver na conversa.
  5. Num jantar, quebre o gelo virando-se para a pessoa ao lado e fazendo-lhe uma pergunta planejada, cuja resposta pode se tornar o assunto de um colóquio. Não fará muita diferença o conteúdo de sua pergunta se ela fizer a outra pessoa falar.

Excerto II: A convergência das mentes


A primeira regra a ser seguida é esta: não discorde — ou concorde, se for o caso — de ninguém se você não tiver certeza de que compreendeu sua posição.

Para certificar-se de que você compreendeu o que foi dito, exercite sua cordialidade e formule, antes de discordar ou concordar, a seguinte pergunta: “Se compreendi bem, você está dizendo que _______?”. Preencha a lacuna reformulando, com sua próprias palavras, o que você acha que a outra pessoa está afirmando. Ela pode responder-lhe dizendo: “Não, não foi isso o que eu disse ou quis dizer. Minha posição é esta”. Então, depois de seu interlocutor formular novamente seu posicionamento, você deve declarar de novo, com suas próprias palavras, o que compreendeu. Se a outra pessoa ainda divergir da sua interpretação, continue com esse questionário até que ela lhe diga que você a compreendeu exatamente da forma desejada. Só então é que você possuirá o embasamento indispensável para concordar ou discordar dela de maneira inteligente e sensata.

Obra: “Como Falar, como ouvir”,escrita por Mortimer Adler (1902 – 2001). Publicado por É Realizações, sob ISBN: 978-85-8033-142-4. Traduzido por Hugo Langone.Esse procedimento exige tempo. Ele requer paciência e perseverança. A maioria das pessoas ansiosas por levar o debate adiante o deixa de lado. Elas estão dispostas a serem impertinentes ou vazias, concordando ou discordando com o que não assimilam. Elas ficam satisfeitas com acordos e desacordos apenas aparentes, e não procuram uma convergência mental genuína.

Ao contrário do acordo aparente, o acordo real se dá quando duas pessoas, interessadas em determinada questão, a compreendem igualmente e, ainda assim, fornecem a ela resposta incompatíveis.

Ao contrário do desacordo aparente, o desacordo real se dá quando duas pessoas, interessadas em determinada questão, não a compreendem exatamente da mesma forma. Quando suas mentes não encontram um entendimento mútuo do tema, as respostas incompatíveis que dão constituem uma diferença de opinião que não é um desacordo genuíno, embora assim pareça. O desacordo real ocorre somente quando, com suas mentes encontrando um entendimento mútuo do problema, os interlocutores lhe fornecem uma resposta incompatível.

Quando duas pessoas se encontram diante de um desacordo real, ainda é preciso alcançar a convergência de suas mentes acerca da própria discórdia. Essa convergência toma a forma da compreensão desse desacordo. Para que isso seja realizado, cada um dos interlocutores precisa esquecer o partidarismo e substituí-lo por uma espécie de imparcialidade diante da posição adotada pela outra pessoa. Por atitude de imparcialidade, refiro-me à tentativa de entender por que o interlocutor sustenta a visão apresentada. Cada envolvido não deve ser capaz apenas de formular a posição de seu interlocutor de um modo que ele aprove, mas também de elencar as razões que dão respaldo ao seu posicionamento.

O envolvido, portanto, admite compassivamente uma posição com a qual não concorda. Dessa forma, ele ao menos compreende por completo a visão rejeitada. Compreender discordando — o desacordo inteiramente compreendido — é a menor convergência possível entre as mentes. Uma convergência mental maior consiste em entender concordando — é o acordo inteiramente compreendido.

Todos nós devemos atentar para a obrigação moral que a busca da verdade objetiva nos impõe. Se nos encontramos num real desacordo com outras pessoas, temos de nos esforçar incansavelmente para resolver a discórdia. Nunca devemos desistir da tentativa de superá-la e de alcançar um consentimento.

Se por acaso um colóquio não conseguir isso, precisamos tentar de novo em algum momento posterior e continuar tentando, por mair demorado e difícil que seja o processo. Nunca devemos interromper o debate por julgá-lo infrutífero.

Fazer isso equivale a abandonar a busca da verdade e a tratar o problema como se ele fosse uma simples questão de gosto, como se a discórdia fosse tão somente um conflito, entre opiniões puramente subjetivos, sobre os quais não se deveria procurar a concórdia nem discutir.

Caso discorde genuinamente da posição alheia, você deve ser capaz de explicar os fundamentos do seu desacordo, dizendo uma ou várias das frases abaixo.

  1. “Acho que você acredita nisso porque está desinformado acerca de alguns fatos ou razões que trazem implicações cruciais ao problema.” Em seguida, esteja preparado para indicar a informação que você julga ter sido ignorada pelo interlocutor e que, se considerada, poderia mudar sua opinião.
  2. “Acho que você acredita nisso porque está mal informado acerca de questões criticamente relevantes.” Esteja preparado, então, para indicar os equívocos que a outra pessoa cometeu e que, se corrigidos, a levariam a abandonar sua posição.
  3. “Acho que você está suficientemente informado e possui uma boa compreensão dos indícios e das razões que sustentam sua posição, mas acabou cometendo erros de raciocínio e tirando de sua premissas conclusões erradas. Suas deduções são falaciosas.” Em seguida, esteja pronto para indicar os erros lógicos que, se corrigidos, levariam seu interlocutor a uma conclusão diferente.
  4. “Acho que você não cometeu nenhum dos erros precedentes e que você raciocinou de maneira sólida a partir de fundamentos adequados à conclusão obtida. Porém, também acho que seu pensamento sobre o assunto está incompleto. Você deveria ter ido além e obtido outras conclusões, que alteram e qualificam a que você alcançou.” Então, seja capaz de dizer quais são essas conclusões e como elas alteram ou qualificam a posição assumida pela pessoa de quem você discorda.

Mortimer Adler (1902 – 2001).
Extraído da obra: “Como Falar, como ouvir”,
escrita por Mortimer Adler (1902 – 2001). Tradução de Hugo Langone.


Publicado por É Realizações, sob ISBN: 978-85-8033-142-4.
Ano de lançamento: 2013, quantidade de páginas: 240, formato 18 x 25 cm.
A obra pertence à coleção Coleção Educação Clássica.


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