Jesus realmente existiu? Três excertos da obra “Não tenho fé suficiente para ser ateu”

Cristo de São João da Cruz é uma pintura do espanhol Salvador Dalí executada em 1951.

Ninguém duvida que Aristóteles (384 – 322 a. C.) tenha existido, mesmo que tenha nascido quase quatro séculos antes de Cristo, da mesma maneira, ou ainda com mais afinco, nenhum historiador de renome suspeita que o homem dos evangelhos seja o principal personagem de uma fábula.
Trecho do artigo: O que é cultura.



1. O evangelho de acordo com os não-cristãos


No ano 66 d.C., os judeus da Palestina iniciaram uma revolta contra o governo romano que, para dizer o mínimo, não agradou aos romanos. O imperador enviou tropas lideradas pelo general Vespasiano para conter a rebelião e retomar o controle das áreas rebeldes. Em 67, Vespasiano liderou um cerco à cidade rebelde de Jotapata, na Galiléia. No 47º dia daquele cerco, um jovem revolucionário judeu optou por entregar-se ao exército romano, muito superior, em vez de cometer suicídio — um destino que muitos de seus compatriotas haviam escolhido. Aquele jovem recebeu o favor de Vespasiano e, depois, foi levado a Roma pelo general Tito, filho de Vespasiano; mais tarde, Tito destruiu Jerusalém e o templo judeu no ano 70 d.C.

Aquele jovem era Flávio Josefo (c. 37-100 d.C.) que, por fim, tornou-se o maior historiador judeu de sua época. Josefo começou a escrever documentos históricos em Roma, enquanto trabalhava como historiador do imperador romano Domiciano. Foi ali que escreveu sua autobiografia e duas obras históricas importantes. Uma dessas obras é sua atualmente famosa Antiguidades dos judeus [publicada em português pela CPAD], concluída por volta do ano 93. No livro 18, capítulo 3, seção 3 dessa obra, Josefo, que não era cristão, escreveu estas palavras:

“Nessa época [a época de Pilatos], havia um homem sábio chamado Jesus. Sua conduta era boa e [ele] era conhecido por ser virtuoso. Muitos judeus e de outras nações tornaram-se seus discípulos. Pilatos condenou-o à crucificação e à morte. Mas aqueles que se tornaram seus discípulos não abandonaram seu discipulado, antes relataram que Jesus havia reaparecido três dias depois de sua crucificação e que estava vivo; por causa disso, ele talvez fosse o Messias, sobre quem os profetas contaram maravilhas.”1

Essa não foi a única menção feita a Jesus por Josefo.2 Em outra passagem das Antiguidades dos judeus, Josefo revelou de que maneira o novo sumo sacerdote dos judeus (Ananus, o jovem) valeu-se de um hiato no governo romano para matar Tiago, o irmão de Jesus. Isso aconteceu no ano 62, quando o imperador romano Festo morreu repentinamente durante seu ofício. Três meses se passaram até que seu sucessor, Albino, pudesse chegar à Judéia, abrindo um grande espaço de tempo para que Ananus realizasse seu trabalho sujo. Josefo descreve o incidente da seguinte maneira:

Festo está morto, e Albino está a caminho. Assim, ele [Ananus, o sumo sacerdote] reuniu o Sinédrio dos juízes e trouxe diante deles o irmão de Jesus, que era chamado Cristo, cujo nome era Tiago, e alguns outros [ou alguns de seus companheiros] e, quando havia formulado uma acusação contra eles como transgressores da lei, ele os entregou para que fossem apedrejados.3

Temos aqui não apenas outra referência do século I feita a Jesus, mas a confirmação de que tinha um irmão chamado Tiago que, obviamente, não era benquisto pelas autoridades judaicas. Poderia ser o caso de Tiago ter sido martirizado por ser ele o líder da igreja de Jerusalém, como o NT deixa implícito?4

Quantas fontes não-cristãs fazem menção a Jesus? Incluindo Josefo, existem dez outros escritores não-cristãos conhecidos que mencionam Jesus num período de até 150 anos depois de sua morte.5 Por outro lado, nesses mesmos 150 anos, existem nove fontes não-cristãs que mencionam Tibério César, o imperador romano dos tempos de Jesus.6 Assim, descontando todas as fontes cristãs, em relação ao imperador romano existe uma fonte a mais que menciona Jesus. Se você incluir as fontes cristãs, os autores que mencionam Jesus superam aqueles que mencionam Tibério numa proporção de 43 para 10!7


2. Novo Testamento: romance histórico ou história romanceada?


Este tópico é totalmente compreensível. No entanto, lembre-se de que se trata
de um excerto do livro Não tenho fé suficiente para ser ateu, motivo pelo qual os
próximos parágrafos citam referências indisponíveis, mas intuitivas dentro deste contexto.


A despeito desses mais de 140 detalhes de testemunhas oculares e mais de 30 referências a pessoas reais, um cético de coração duro poderia dizer: “Mas isso não significa necessariamente que o NT seja verdadeiro. Suponha que ele seja um romance histórico — uma ficção ambientada num contexto histórico real — alguma coisa parecida com um romance de Tom Clancy”.

Existem muitos problemas com essa teoria. Em primeiro lugar, ela não pode explicar por que escritores independentes não-cristãos revelam coletivamente uma sequência de fatos similar aos do NT. Se os acontecimentos do NT são ficção, por que esses escritores registrariam alguns desses fatos como se realmente tivessem acontecido?

Capa da obra: "Não tenho fé suficiente para ser ateu"Em segundo lugar, essa teoria não pode explicar por que os autores do NT passaram por perseguição, tortura e morte. Por que eles teriam feito isso em favor de uma ficção? (Veremos mais sobre isso no capítulo seguinte.)

Em terceiro lugar, os romancistas históricos normalmente não usam nomes de pessoas reais para as personagens principais de suas histórias. Se o fizessem, essas pessoas reais — especialmente oficiais de grande importância do governo e da religião — poderiam negar a história, destruindo a credibilidade dos autores e, talvez, até mesmo usando de ações punitivas contra eles por terem feito isso. Como já vimos, o NT inclui pelo menos 30 personagens históricas reais que foram confirmadas por fontes não-cristãs, muitas dessas são líderes proeminentes e poderosas.

Por fim, uma vez que o NT contém múltiplos relatos independentes desses acontecimentos, feitos por nove autores diferentes, a teoria do romance histórico exigiria uma grande conspiração por um período variando de 20 a 50 anos entre esses nove autores espalhados por todo o mundo antigo. Isso também não é plausível. De fato, a afirmação de que os acontecimentos do NT são parte de uma grande conspiração existe apenas em romances. No mundo real, tais afirmações são esmagadas pelo peso das evidências.


3. O Novo Testamento: uma única fonte ou muitas fontes?


“Espere!“, pode protestar o cético. “Você pode ter o depoimento de testemunhas oculares, mas não pode acreditar no NT porque ele provém de uma fonte apenas. Eles não são ‘múltiplos relatos independentes’ como você diz!”. Esse é um erro comum que os céticos cometem porque deixam de fazer a distinção entre a Bíblia como um “livro religioso“ e os documentos históricos que compõem a Bíblia.

Quando consideramos a historicidade do NT, somos constantemente lembrados de que o NT que temos na Bíblia é uma coleção de escritos bastante independentes saídos da pena de nove autores diferentes. Ele não foi escrito ou editado por uma pessoa ou pela igreja. Embora os autores do NT descrevam um mesmo acontecimento e possam até mesmo ter extraído material de uma mesma fonte antiga, as evidências indicam que os documentos do NT contêm várias linhas de depoimentos independentes de testemunhas oculares.

Como podemos saber que temos depoimentos independentes de testemunhas oculares? Porque 1) cada um dos autores principais inclui material antigo e singular que apenas uma testemunha ocular poderia conhecer e 2) seus relatos descrevem os mesmos acontecimentos básicos, mas incluem detalhes divergentes. Por que os detalhes divergentes são importantes? Porque, se esses relatos fossem todos de uma única fonte ou de um único editor, haveria a harmonização, e não a 2 divergência dos detalhes. Quando relatos antigos contam a mesma história básica mas incluem detalhes divergentes, os historiadores corretamente concluem que eles possuem relatos independentes de testemunhas oculares dos fatos históricos reais (teste histórico nº 3). A história certamente não pode ser inventada porque fontes independentes jamais poderiam inventar a mesma história ficcional.

Por esse critério, sabemos que João e Marcos são independentes e sabemos que Lucas e Mateus diferem o suficiente de Marcos e um do outro para serem produtos de testemunho independente também. Desse modo, existem pelo menos quatro fontes independentes da história básica do NT, e, acrescentando-se Paulo (1Co 15.8) e Pedro (1Pe 1.21) à mistura, existem pelo menos seis fontes independentes da ressurreição de Jesus.

Seis testemunhas oculares sadias e sóbrias, que se recusam a abnegar seu testemunho mesmo sob ameaça de morte, seriam capazes de convencer qualquer um de qualquer coisa num tribunal (mesmo sem as linhas adicionais de evidências corroborantes que apóiam a história do NT). Os depoimentos das testemunhas oculares conduzem a um veredicto que certamente está nos limites de dúvida justificável. A não ser que você tenha visto o acontecimento por si mesmo, não é possível ter um grau maior de certeza de que tais fatos históricos realmente aconteceram.


Extraído do livro Não tenho fé suficiente para ser ateu. Publicado pela Editora Vida, sob ISBN: 978-8573679281.
Escrito por: Norman L. Geisler (1932 – 2019) e Frank Turek. Traduzido por Emirson Justino.


Notas:


  1. Existe uma versão dessa citação na qual Josefo afirma que Jesus era o Messias, mas a maioria dos estudiosos acredita que os cristãos mudaram a citação para que fosse lida dessa maneira. De acordo com Orígenes, um dos pais da Igreja, nascido no século lI, Josefo não era cristão. Desse modo, é improvável que ele pudesse afirmar que Jesus era o Messias. A versão que citamos aqui vem de um texto árabe que, acredita-se, não foi corrompido. Subir
  2. Por que Josefo não fez mais referências a Jesus? Podemos conjecturar que, como historiador do imperador, Josefo tinha de escolher os temas e as palavras com muito cuidado. De modo mais patente, Domiciano suspeitava de tudo o que pudesse ser associado a sedição. Esta nova seita chamada cristianismo poderia ter sido considerada sediciosa porque os cristãos tinham esse novo e estranho sistema de crenças e recusavam-se a adorar César e os deuses romanos. Como resultado disso, Josefo certamente não queria alarmar ou irritar seu chefe ao escrever um grande número de comentários favoráveis sobre o cristianismo. Todavia, essas duas referências confirmam a existência de Jesus e de Tiago e corrobora os relatos do Novo Testamento. Subir
  3. Antiguidades, 20.9.1. Subir
  4. VAt 21.17,18; cf. 15.13. Subir
  5. As dez fontes não-cristãs são: Josefo; Tácito, historiador romano; Plínio, o Jovem, político romano; Flegon, escravo liberto que escrevia histórias; Talo, historiador do século I; Suetônio, historiador romano; Luciano, satirista grego; Celso, filósofo romano; Mara bar Serapion, cidadão reservado que escrevia para seu filho; e o Talmude. Você poderá encontrar uma lista completa das menções a Cristo feitas por essas fontes em Norman L. Gelisler, Enciclopédia de apologética. São Paulo: Vida, 2002, p. 447-52; v. tb. Gary Habermas, The Historical Jesus. Joplin, Mo.: College Press, 1996, capo 9. Subir
  6. Gary Habermas & Michael Licona. The Case for the Resurrection o/Jesus. Grand Rapids, Mich.: Kregel Publications, 2004. Subir
  7. Uma vez que Lucas menciona Tibério, o número total de autores que menciona Tibério é dez. V Habermas & Licona, The Case for the Resurrection o/Jesus. Adicionamos o Talmude à lista montada por Habermas e Licona porque é provável que ele tenha sido composto no início do século II, dentro do período de 150 anos após a morte de Jesus. Consequentemente, nossa contagem é 43 a 10, em vez de 42 a 9, conforme sugerido por Habermas e Licona. Subir

Nota da editoria:

Imagem da capa: “Cristo de São João da Cruz” (1951), de Salvador Dali (1904 – 1989).




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