Presos por serem católicos

Obra: "Joan of Arc's Death at the Stake" (1843), por Hermann Anton Stilke (1803 – 1860)

Praticar Religião é crime; persegui-la é liberdade de expressão?
Paulo Henrique Américo de Araújo, para Revista Catolicismo de julho de 2023



Se alguém se dispusesse a formular uma frase que defina, em poucas palavras, nosso mundo moderno, poderia escolher tranquilamente esta: época da insanidade e da contradição. Para demonstrá-lo, selecionei alguns fatos que deveriam entrar para os anais dos incontáveis absurdos e delírios deste triste início do século XXI. Eis o primeiro deles: no Canadá, jovem aluno católico foi preso após defender a fé no próprio colégio católico onde estuda!

Josh AlexanderNo final de 2022, Josh Alexander [foto] havia participado de protestos contra a utilização de banheiros femininos por estudantes transgêneros no St. Joseph’s Catholic High School, em Renfrew, Ontário. Em entrevista à Fox News1, o estudante declarou: “Alunas reclamaram comigo que estavam preocupadas porque meninos estavam usando os banheiros femininos. Isso se transformou em um debate na escola. Dei minha opinião sobre o assunto e usei as Escrituras para sustentá-la”. Então, o aluno recebeu da diretoria da escola uma suspensão pelo restante do ano de 2022.

No início de 2023, Alexander voltou ao colégio para participar das aulas, mas aparentemente a suspensão continuava de pé. Ele foi acusado de “invasão de propriedade”, a polícia foi acionada e literalmente prendeu o aluno “criminoso”!

Segundo o conselho de professores daquele colégio católico, o rapaz teria “ferido” outros alunos pela sua postura intolerante. Curiosamente, coibir um aluno de declarar sua fé, suspendê-lo de frequentar as aulas e, por fim, acusá-lo de invasor, não representaria intolerância. Alguém consegue explicar tal incoerência?

Virá a ser proibido pensar em público?


Como se o ocorrido com o jovem católico canadense não bastasse para dar o “selo de insanidade” a esta época em que vivemos, outro fato, acontecido na Inglaterra, veio para confirmá-lo de vez. Não se trata de brincadeira, agora realmente existe restrição para “rezar mentalmente”!

Isabel Vaughan-SpruceIsabel Vaughan-Spruce, católica inglesa e ativista pró-vida, decidiu rezar silenciosamente diante de uma clínica de aborto em Birmingham2. Logo a polícia veio, avisando à “transgressora” que aquela era “área livre de protesto”, e não poderia continuar ali. Isabel argumentou: “Não vejo como ficar de pé na calçada em silêncio seria protesto. Apenas rezo mentalmente”.

Por fim, Isabel foi revistada – quem sabe não trazia consigo uma arma de fogo! –, e conduzida à delegacia por se recusar a sair do local [foto]. Na sequência, obteve o direito à liberdade sob pagamento de fiança.

Outro fato semelhante ocorreu na Inglaterra, desta feita envolvendo o Pe. Sean Gough, pertencente à diocese de Birmingham3. Em fevereiro de 2023 ele estava “rezando pela liberdade de expressão” em frente a uma clínica de aborto — conforme declarou —, quando foi conduzido por policiais à delegacia, interrogado sobre suas ações e acusado de “intimidar usuários” da clínica.

A “terrível ilegalidade de rezar” em silêncio encontra-se na chamada Lei de Proteção dos Espaços Públicos, que visa coibir “comportamentos antissociais”. De acordo com o governo do Reino Unido, o espaço serve para “especificar uma área onde as atividades ocorrem ou são susceptíveis de prejudicar a qualidade de vida da comunidade e impor condições ou restrições às pessoas que usam essa área”.

Em outras palavras, rezar mentalmente em público pode violar o bem-estar de certas pessoas! Eis os novos criminosos: aqueles que recitam a Ave-Maria e carregam o Rosário nas mãos. Como chegamos a tal insanidade? O contrassenso maior de tudo isso se encontra do fato de que a restrição de “rezar em pensamentos” surge em nome da liberdade para praticar o aborto.

De acordo com a lei mencionada acima, as autoridades também podem cancelar certas atividades, como vigílias de orações, aspersão de água benta, ou mesmo apenas fazer o Sinal da Cruz, quando uma paciente estiver passando; fazer genuflexão, recitar as Escrituras, protestar ou interferir física ou verbalmente com funcionários ou pacientes.

Lei de Proteção dos Espaços Públicos da Inglaterra: mais recentemente, Isabel Vaughan-Spruce e o Pe. Sean Gough foram inocentados do suposto crime de rezar em silêncio. A justiça declarou que não havia fundamento legal para impedir alguém de fazer orações mentais.


Liberdade apenas para os cristianofóbicos?


Alguém ainda duvida que os católicos vão cada vez mais perdendo direitos? Por outro lado, defensores e ativistas da chamada onda “woke” ganham liberdade de ação.

Mais recentemente, a ativista católica e o sacerdote foram inocentados do suposto crime de rezar em silêncio. A justiça declarou que não havia fundamento legal para impedir alguém de fazer orações mentais.

Porém, tudo indica que a decisão cairá no vazio. Em março deste ano, Isabel Vaughan-Spruce – que traz frequentemente a Medalha Milagrosa pendurada ao pescoço – se pôs de novo a rezar diante da mesma clínica de aborto4. Quase como a reprise de um filme de mau gosto, a polícia não demorou a chegar, ordenando que Isabel se retirasse da zona de exclusão. Ela respondeu aos policiais que não estava protestando, nem executando qualquer das atividades consideradas proibidas, apenas rezava em silêncio. O policial insistiu: “Isso é tido como ofensivo!” A cena se repete: Isabel é levada presa para a delegacia.

Em declaração por meio de seus representantes legais, a Sra. Vaughan-Spruce disse: “Apenas três semanas atrás, ficou claro pelo tribunal que minhas orações silenciosas não configuravam crime. Mas, novamente, fui presa e tratada como uma criminosa, por ter exatamente os mesmos pensamentos [orações] em minha cabeça, no mesmo local. A ambiguidade das leis que limitam a liberdade de expressão e pensamento – mesmo na conversa pacífica e consensual ou na oração silenciosa e interna – leva a uma confusão abjeta, em detrimento de importantes direitos fundamentais. Ninguém deve ser criminalizado por seus pensamentos.”

Aqui no Brasil, até esta edição, corria no Congresso Nacional o projeto de lei dito das Fake News. Sob o pretexto de combater “desinformação” e “atos antidemocráticos”, o texto normativo abre as portas para a punição eventual daqueles que, especialmente os católicos, queiram proclamar sua fé publicamente.

Estará longe o dia em que rezar o terço nas praças e ruas – prática que vem aumentando no País – será considerado “ofensivo”? Que Nossa Senhora nos proteja da perseguição religiosa e da cristianofobia.


Por Paulo Henrique Américo de Araújo.
Publicado originalmente pela Revista Catolicismo, edição número 871 de julho de 2023.


Notas:

  1. https://www.foxnews.com/media/canadian-catholic-student-arrested-charged-saying-men-women-different-embarrassing Subir
  2. https://www.acidigital.com/noticias/inglesa-e-presa-por-rezar-em-silencio-em-frente-a-centro-de-aborto-34368 Subir
  3. https://www.acistampa.com/story/parla-padre-sean-gough-arrestato-per-aver-pregato-davanti-a-una-clinica-abortista-21861 Subir
  4. https://www.dailymail.co.uk/news/article-11830349/Moment-Catholic-woman-arrested-second-time-silently-praying-outside-abortion-clinic.html Subir

Nota da editoria:

Imagem da capa: “Joan of Arc’s Death at the Stake” (1843), de Hermann Anton Stilke (1803 – 1860).


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