Reflexões sobre a execução de Luís XVI

Obra: "Luís XVI, rei da França e Navarra, vestindo seu grande traje real em 1779" (1789), por Antoine-François Callet (1741 – 1823)

Atendendo a um pedido da TFP francesa por ocasião do bicentenário da Revolução de 1789, Plinio Corrêa de Oliveira redigiu uma meditação sobre a morte de Luís XVI, acontecimento histórico ocorrido em 21 de janeiro de 1793. O rei francês de 38 anos foi guilhotinado em Paris na Praça da Revolução, antiga Praça Luís XV, renomeada com o nome de Praça da Concórdia… Em memória dessa tragédia, que completou 230 anos, reproduzimos a seguir excertos dessa meditação.



Como a Nosso Senhor, ataram as mãos do Rei


Os ajudantes do carrasco Sanson se aproximam de Luís XVI e querem amarrar-lhe as mãos.

— Amarrar-me? Não, jamais consentirei nisto! –– atalha ele.

O sacerdote lhe sussurra:

— “Sire, nesta nova afronta não vejo senão um último traço de semelhança entre vós e o Deus que será o vosso prêmio”.

Estas sublimes palavras do sacerdote alentaram a piedade do Rei. Luís XVI estende as mãos.

— “Fazei o que quiserdes!”

E os asseclas de Sanson –– bem dignos da Revolução à qual serviam de cúmplices –– ataram as mãos do Rei. E foi assim, com a intenção de imitar a Nosso Senhor Jesus Cristo, cujas divinas mãos foram atadas pelos seus algozes durante a Paixão, que o Rei escalou, passo a passo, as escadas do patíbulo e se dirigiu de modo decidido para a guilhotina.


Suas últimas palavras


Ele faz então um sinal aos tambores que se acham em frente dele. Impressionados, os soldados param de bater:

“Franceses — brada o Rei, com voz audível até à extremidade da praça —, eu morro inocente. Perdoo os autores de minha morte, e peço a Deus que o sangue que vai ser derramado não caia jamais sobre a França! E vós, ó povo desafortunado…”.1

O Rei pretende continuar sua objurgatória, mas um homem a cavalo, em uniforme da guarda nacional, desfere a espada sobre um dos tambores e força-os a cobrir a voz do Rei com o seu ruído. Nesse instante supremo, a um passo da guilhotina, os revolucionários ainda temem que as palavras do soberano comovam a multidão e todo o processo revolucionário retroceda!



Os algozes estendem o Rei sobre a plataforma da guilhotina. A lâmina cai pesadamente sobre a nuca do Rei, e sua cabeça rola pelo chão.

O infame carrasco toma-a enquanto ainda gotejava sangue e dá a volta por todo o patíbulo, para que o povo inteiro tome conhecimento de que o Rei estava decapitado. Para Luís XVI, a luz do sol não brilhará mais neste mundo, a não ser no dia em que todos ressuscitarmos.

Foi quando o Rei estava sendo estendido para receber o golpe fatal que, segundo algumas narrações, o Abbé Edgeworth de Firmont teria exclamado as sublimes palavras: “Filho de São Luís, subi ao Céu!”

Várias testemunhas afirmam a autenticidade dessa apóstrofe. O sacerdote irlandês, entretanto, sempre negou tê-la pronunciado. De onde se pode pensar que, ou o Abbé de Firmont fez essa exclamação movido por uma inspiração divina e depois dela se esqueceu (fato facilmente compreensível, na emoção em que se encontrava), ou a frase foi criada por outrem a fim de exprimir — aliás de modo muito feliz — a realidade profunda desse instante histórico.2


Do Céu, Luís XVI contempla a França de hoje


Quem pode de fato duvidar de que uma morte consumada nessas condições tenha sido seguida da abertura de par em par, das portas celestes para a alma deste comovedor filho de São Luís?

Lá, do alto do Céu, ele contempla –– com essa benignidade que deveria ter sido tantas vezes completada pela força –– a França de hoje. E posto que no Céu não se sofre o tormento do arrependimento, pois já está perdoado de todos os seus pecados e não tem mais qualquer perdão a pedir, ele olha para a França, essa querida França, essa grande França, essa França que Nossa Senhora não cessa de amar e de favorecer, e que, não obstante, como a maior parte das nações de nossos dias, não cessa de A ofender e de A renegar. Com certeza a Virgem Mãe reza por ela, para que sacuda vigorosa e vitoriosamente o jugo da Revolução.



Entrementes, o Abbé Edgeworth de Firmont foi se afastando aos poucos do patíbulo, onde sua presença não tinha mais razão de ser. Chegado junto à multidão, temia que esta o estraçalhasse. Mas, por um mistério sublime, o sacerdote escapou ileso e sumiu no meio da multidão, sem que ninguém o procurasse agarrar.

No Templo, os tambores da guarda rufam. Sob as janelas do donjon as sentinelas gritam: “Viva a República!”


Maria Antonieta compreende tudo…


Sente-se esmagada pela dor. O jovem príncipe desata em lágrimas. Madame Royale solta gritos lancinantes. Maria Antonieta, o corpo convulsionado pelos soluços, se deixa abater sobre o leito.

De repente, ela se levanta, ajoelha-se diante de seu filho, e o saúda com o título de Rei.

Luís XVII, sucessor de Luís XVI, sumiu misteriosamente da prisão do Templo, ou foi morto por seus verdugos: a questão é discutida até hoje. A rainha Maria Antonieta será condenada à morte dentro em breve. Madame Elisabeth, irmã do Rei, foi igualmente condenada.

Madame Royale, filha dos infortunados monarcas, após três anos de cativeiro solitário na Torre do Templo, foi por fim trocada por revolucionários caídos em poder dos austríacos.

O Abbé de Firmont, com a cabeça posta a prêmio, permaneceu foragido, escapando de um lugar para outro dentro da França, até que tomou conhecimento da execução de Madame Elisabeth, a quem pretendia servir, se ainda lhe fosse possível.

Agora, a fidelidade ao seu monarca lhe pedia algo mais: dirigir-se ao exílio, procurar os irmãos de Luís XVI, o Conde de Provence, futuro Luís XVIII, e o Conde de Artois, futuro Carlos X, e pôr-se a serviço deles. Tendo acompanhado a família real por todos os caminhos do exílio, entregou sua alma a Deus em 1807, com a idade de 62 anos.


Símbolos que não morrem


Terminou esta história? Se há uma história que não terminou foi esta. Porque a memória de Luís XVI, como a de Maria Antonieta, continuam vivas. São símbolos que não morrem na recordação nem no coração de muitos franceses. Quer por serem amados como merecem, quer por serem odiados como não merecem.

Mas, de algum modo, simbolizam a luta entre o Bem e o Mal, a Revolução e a Contra-Revolução. Eles serão sempre lembrados, com profundo respeito e profunda dor, por todos aqueles que têm uma fagulha de Contra-Revolução na alma.

E serão vistos com extremo ódio por todos aqueles que, portadores do espírito de Satanás e odiando todas as desigualdades, odeiam esse Rei, cujo grande defeito, entretanto, foi o excesso de mansidão (isto se pode dizer também de Maria Antonieta).

Mais uma vez devemos nos voltar para eles e pedir que nos obtenham de Deus força, força, força! Força a favor da Justiça, força a favor do Bem, força a favor da Contra-Revolução. Força a favor vosso, Maria Santíssima, nossa Mãe, a favor de vosso Divino Filho, nosso Salvador e Redentor. Força, enfim, a favor da Santa Igreja e da civilização cristã.

Tornai-nos fortes para que, amando-Vos com o amor dos fortes, saibamos servir-Vos com a dedicação e a eficácia dos fortes, a fim de que chegue o quanto antes vosso Reino sobre a Terra, ó Maria, ó Jesus!


Por Plinio Corrêa de Oliveira (1908 – 1995).
Publicado pela Revista Catolicismo, número 872 (agosto de 2023). Para acessar o artigo completo, clique aqui.


Notas:

  1. Cfr. G. Lenotre e André Castelot, Les grandes heures de Ia Revólution Française – La mort du Roi, p. 295. Subir
  2. Cfr. Nesta H. Webster, Louis XVI and Marie Antoinett During the Revolution, Constable and Company Ltd, London, p. 524; Weiss, Historia Universal, Tipografia. La Educación, Barcelona, 1931, vol XVII, p. 98. Subir

Notas da editoria:

Imagem da capa: “Luís XVI, rei da França e Navarra, vestindo seu grande traje real em 1779” (1789), por Antoine-François Callet (1741 – 1823).


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