Seis excertos da obra “A arte da prudência”, de Baltasar Gracián

Afresco: "As virtudes cardeais", de Rafael Sanzio (1483 - 1520)

A prudência é a filha mais velha da sabedoria.
Victor Hugo (1802 – 1885)

O silêncio é o santuário da prudência.
Baltasar Gracián (1601 – 1658)



Atenção ao informar-se. Vive-se o mais de informação: o que vemos é o menos; vivemos da fé alheia: o ouvido é a segunda porta da verdade e a principal da mentira. A verdade de ordinário se vê; extraordinariamente se ouve; raras vezes chega em seu elemento puro, muito menos quando vem de longe; traz sempre alguma mistura dos afetos por onde passa; a paixão tinge com suas cores tudo o que toca, seja odiosa, seja favorável; puxa sempre a impressionar; muito cuidado com quem gaba, maior ainda com quem desgaba. É mister toda a atenção nesse ponto para descobrir a intenção de quem medeia, conhecendo de antemão por que razões é movido. Que a reflexão seja contraste do falto e do falso.


Arte para viver muito: viver bem. Duas coisas acabam depressa com a vida: a nescidade e a ruindade. Perderam-na uns por não a saberem conservar, outros por não querer. Assim como a virtude é prêmio de si mesma, também o vício é castigo de si mesmo. Quem vive a toda a brida no vício acaba depressa de duas maneiras; quem vive a toda a brida na virtude nunca morre. A inteireza do espírito comunica-se ao corpo, e tem-se por longa a vida não só na intensão como também na extensão.


Capa da obra: "A Arte da prudência", de Baltasar Gracián (1601 - 1658).Não ser inacessível. Ninguém há tão perfeito que por vezes não necessite de advertência. É néscio sem remédio quem não escuta. O mais emancipado há de permitir o amigável aviso; nem a soberania há de excluir a docilidade. Há homens irremediavelmente inacessíveis, que se abismam porque ninguém ousa chegar-se para detê-los. O mais íntegro há de ter uma porta aberta para a amizade, e será a do socorro. Há de ter lugar um amigo para poder com desembaraço avisá-lo e mesmo castigá-lo. A satisfação há de estar nessa autoridade e no grande conceito de sua fidelidade e prudência. Não é a todos que se deve facilitar o respeito e o crédito, mas tenha no escaninho de seu recato o fiel espelho de um confidente, a quem deva e estime a correção no desengano.


Saber vender suas coisas. Não basta a intrínseca bondade das coisas, pois nem todos mordem a substância nem olham por dentro. A maioria acorre aos lugares a que outros concorrem, vão porque veem que outros vão. É grande parte do artifício saber conferir crédito, umas vezes celebrando, pois a louvação é instigadora de desejos; outras dando bom nome, que é um grande modo de exalçar, mas sempre evitando a afetação. Destinar as coisas só para entendidos é aguilhão para todos, porque todos assim se creem, e, quando não, a privação acicata o desejo. Nunca se há de conferir fama de fáceis ou de comuns aos assuntos, pois isso é fazê-los passar mais por vulgares que por fáceis. A todos pica o singular, por ser mais apetecível, tanto ao gosto quanto ao engenho.


Conhecer as eminências de seu século. Não são muitas: uma Fênix em todo o mundo, um só Gran Capitán, um perfeito Orador, um Sábio em todo um século, um Rei eminente em muitos. A mediocridade é ordinária em número e apreço; as eminências são raras em tudo, porque requerem perfeição consumada, e, quanto mais elevada a categoria, mais difícil o extremo. Muitos tomaram de César e Alexandre o apelido de Magno, porém em vão, pois sem os feitos a palavra não passa de um pouco de ar: poucos Sênecas houve, e um só Apeles a fama celebrou


Não ser extravagante. Por afetação ou por inadvertência, alguns têm notável originalidade, com ações de mania, que mais são defeitos que diferenças. E assim como alguns são muito conhecidos por alguma singular fealdade do rosto, também estes por algum excesso no portar-se. De nada serve ser extravagante, senão para a censura por uma impertinente especialidade, que leva uns ao riso, outros ao agastamento.


Excertos da obra “A arte da prudência”,
escrita por Baltasar Gracián (1601 – 1658), publicada pela primeira vez em 1647.


Notas da editoria:

Imagem da capa: Afresco “As Virtudes Cardeais” (1511), por Rafael Sanzio (1483 – 1520).


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