O labirinto de espelhos

Obra: "Woman with a Mirror" (1911), por Frederick Carl Frieseke (1874–1939).

Poucas pessoas têm a coragem de ser covardes diante de testemunhas.
Theophile Gautier (1811 – 1872), poeta, novelista e jornalista francês.



Para todas as direções que voltamos nossas vistas, vemos pessoas clamando em alto e bom tom para que a “justiça” seja feita em nosso país, digo, para que aquilo que elas entendem por justo impere sobre aqueles que elas detestam com todas as forças do seu ser, pois, todos nós sabemos, para muitos, tudo torna-se “moralmente” válido quando feito em nome do partido e da revolução, conforme há muito fora proclamado por Leon Trótski, em seu livro “Moral e Revolução”.

Detalhe importante: tais alminhas chamam de clamor por justiça o que, em outras épocas, era chamado simplesmente de denuncismo, motivado pelo clima de histeria coletiva que era insuflado por aqueles que desejavam, manobrando a horda de militantes e simpatizantes, perpetuar-se no poder, custe o que custar.

E todos aqueles que entram nessa “vibe”, esquecem-se bem rapidinho que prova de covardia maior não há do que querer destruir a vida de alguém em nome de uma crendice ideológica, que justifica um projeto totalitário de poder, travestido com as firulas retóricas de “um mundo melhor possível”, ou algo parecido com isso.

Punhos CerradoChega a ser, no mínimo, curioso vermos pessoas que ficam todas arrepiadas, do pescoço até o garrão, quando ouvem alguém, em algum beco qualquer da vida, reverberando alguma palavra de ordem contra “ditaduras fascistas imaginárias”, ou contra algo similar, cujo eco as fazem estremecer por dentro e, ao mesmo tempo, vibram de alegria [depre]cívica, ficando com seus olhos marejando em lágrimas, quando uma campanha de cancelamento consegue ferrar com a vida de uma pessoa, principalmente se ela for uma ilustre desconhecida.

Incontáveis indivíduos, crentes de que estão construindo um “mundo melhor” nessas bases, deletam sem dó todas as pessoas que não se encontram dentro do seu estreito riscado ideológico e perseguem, com voracidade canina, qualquer um que não se enquadre dentro dos ditames canhestros da sua visão política.

Nesse sentido, tais atitudes, manifestas através de tranqueiras como “Sleeping Giants” e similares, não diferem muito não do denuncismo calhorda que havia na Alemanha Nacional-Socialista, na URSS, em Cuba e demais tranqueiras totalitárias do gênero.

Abre parêntese: o tal do “Sleeping Zap”, uma imitação tosca do “Sleeping Giants”, também é um exemplo desse tipo de mentalidade tacanha e covarde. Fecha parêntese.

Por essas e outras que o filósofo argentino José Ingenieros, em seu livro “As forças Morais”, nos adverte vivamente para o fato de que, acima de tudo, a justiça não pode ser reduzida ao ato de ocultar, com supostas “elevadas intenções”, os vícios que corrompem o nosso coração e as nossas ações.

A justiça, enquanto virtude, deve ser impelida pelo esforço de suprimir nossas más inclinações, de forma inclemente, para que possamos, com o auxílio da Graça divina, realmente crescer em espírito e verdade para que, desse modo, possamos aprender a refletir, mesmo que palidamente, a luz da misericórdia em nossa maneira de ser.

Agora, se continuarmos a confundir o tal do denuncismo, motivado por vendetas rasteiras, com as joias da coroa do senso de justiça, isso é sinal de que estamos com o nosso coração mortalmente ferido pelo rancor e imerso no cálice do ressentimento, ao ponto de não mais sermos capazes de reconhecer em nossos antagonistas, inimigos e desafetos, a imagem de um semelhante.


Por Dartagnan Zanela.
Pulicado originalmente pelo portal Tribuna Diária, em 16 de maio de 2023.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “Woman with a Mirror” (1911), por Frederick Carl Frieseke (1874 – 1939).


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