Beleza divina nas desigualdades harmônicas e proporcionais

Obra: "Oyster and pearl", por Kim Hovell.

A beleza é dom de Deus.
Aristóteles (384 a.C. – 388 a. C.)

A beleza é realmente um bom dom de Deus; mas que os bons não pensem que ela é um grande bem,
pois Deus a distribui mesmo para os maus.
Santo Agostinho (354 d. C. – 430 d. C.)



Certa vez li a história de uma princesa russa que por ocasião da revolução bolchevista de 1917 conseguiu escapar. Ela apenas logrou levar escondido um colar enorme, com magníficas pérolas. Eram pérolas de tamanhos diferentes, com uma grande no centro, seguida por outras sucessivamente menores, iguais dos dois lados, até chegar a uma bem pequenina.

É muito difícil fazer uma coleção com pérolas em que cada uma, em relação à anterior e à posterior, tenha a mesma diferença proporcional no tamanho. Com pérolas falsas isso se faz com facilidade, mas com pérolas verdadeiras é muito difícil. Sobretudo se todas as pérolas são do mesmo tom e da mesma claridade.

De maneira que chegamos a este paradoxo: um colar com 50 pérolas harmonicamente desiguais é mais bonito do que um colar com 50 pérolas iguais e maiores. Pode ser que valha mais um colar de 50 pérolas iguais e maiores. Mas como beleza artística o colar com pérolas desiguais tem uma beleza maior.

O que pensam os ourives a respeito desses colares de pérolas desiguais é precisamente o que São Tomás de Aquino ensina a respeito do universo.

Ele ensina que Deus não poderia ter criado todas as criaturas iguais, porque nenhuma criatura tem a possibilidade de espelhar adequadamente a beleza de Deus, uma vez que a criatura é limitada e Ele é infinito. E para dar certa ideia da beleza de Deus, seria preciso que houvesse criaturas desiguais, cada uma espelhando-o a seu modo num aspecto. Mas sendo desiguais formam uma hierarquia. A hierarquia harmônica, sem saltos, sem desproporções entre os degraus, afirma na Terra a beleza de Deus.


Beleza do conjunto desigual, mas harmônico


Flor MiosótisUm exemplo: no reino das flores a beleza de Deus não poderia exprimir-se igualmente numa enorme rosa ou num pequeno miosótis. O miosótis tem certo encanto, olhamos e sorrimos. Uma rosa é majestosa, mas não provoca o mesmo sorriso. Ora, o por onde Deus é infinitamente gracioso se pode exprimir no miosótis. Era preciso que houvesse a rosa e o miosótis no mundo vegetal para se ter uma ideia de conjunto de predicados de Deus.

Isto se aplica também aos homens. Estes são desiguais, e é assim que eles exprimem melhor a Deus. Pensem na mentalidade dos homens mais inteligentes de nosso século — por exemplo Winston Churchill — e o comparem com o homem mais bobo do nosso século, um que fosse sem culpa própria quase um débil mental, onde a razão está num estado de lusco-fusco. Entretanto cada um espelha a Deus a seu modo, inclusive o bobo; no que ele não é bobo espelha a Deus de algum modo, e de um modo que Churchill não exprimia, e pode ser um “miosótis” do reino humano. O conjunto espelha a beleza de Deus.


Beleza divina na confluência do grande e do pequeno


Uma vez que há maiores e menores, tem que haver também a obediência, uns que mandam e outros que obedecem. É um corolário necessário. E a obediência não faz senão transmitir no reino da ação a infinita beleza de Deus.

O que é mais importante, imprimir um livro ou concebê-lo e escrevê-lo? É evidente que conceber e escrever é mais importante. Entretanto, a apresentação gráfica de um livro tem muita importância para sua circulação.

Vamos exemplificar com a obra mais conhecida de São Tomás, a Suma Teológica, esplendidamente bem apresentada pela composição gráfica. A função de São Tomás nem se compara com a do gráfico, mas a pequena função deste pode ser grande para a circulação do pensamento do autor.

A circulação do livro de São Tomás fica condicionada à modesta colaboração de um gráfico, que pode ele mesmo ser um gênio em matéria gráfica, enquanto São Tomás é um gênio em matéria teológica e metafísica.

Essa colaboração do pequeno e do grande, de mil espécies de genialidades para fazer uma obra funcionar, isso tem uma beleza divina!

Uma ideia desse princípio notamos, por exemplo, na ventilação. Como é bonito que haja tufões majestosos! Como é belo que haja ventinho comum! Como é bonito que haja ventos que sorriem! Todos eles no seu conjunto não constituem o universo dos ventos que agradam tanto às pessoas ao contemplar? É evidente!

Assim também há homens que são possantes. São como tufões. Há outros mais delgados, que chegam até a ser como o sorriso dos ventos alígeros. Todos juntos, obedecendo uns aos outros, constituem uma sinfonia que nos remete ao Criador de todas as coisas.


Por Plinio Corrêa de Oliveira (1908 – 1995).
Publicado pela Revista Catolicismo, número 880 de abril de 2024.

Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em 5 de setembro de 1974.
Esta transcrição não passou pela revisão do autor.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “Oyster and pearl” (1887), de Meet Kim Hovell.




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