“O homem retrata-se inteiramente na alma; para saber o que é e o que deve fazer,
deve olhar-se na inteligência, nessa parte da alma na qual fulge um raio da sabedoria divina.”
Platão
Antes mesmo de poder realizar os cálculos mais simples, de dominar razoavelmente e com alguma consciência seu próprio idioma, e antes até de compreender problemas e situações minimamente complexas, todo ser humano, ainda em seus primeiros anos de vida, desenvolve e exerce a capacidade de perguntar “o que” alguma coisa é, manifestando-a mais claramente na famosa “fase dos porquês”.
Perguntar “por que?” é o mesmo que perguntar “o que é?”; é perguntar pelo ser das coisas, pelo quid — o que implica, necessariamente, diferenciá-las também daquilo que não são, mesmo que em um nível mais geral e sem realizar, ainda, classificações categoriais mais refinadas. É uma indagação que só pode ser formulada por quem tenha o verdadeiro e o falso já presentes para si. Ora, mas ninguém ensinou à criança o que fossem o verdadeiro e o falso; ela seria completamente incapaz de dar uma definição suficiente de ambos, algo que mesmo para nós é tarefa das mais inglórias. Como, então, pode operar um esquema fundamental de raciocínio que os exige como base?
É que a criança (ou seja, cada um de nós em nossa constituição) não possui o verdadeiro e o falso enquanto noções ou conceitos, mas como pilares estruturantes reais da dimensão ontológica que lhe é própria; ela não os apreende com o cérebro, mas com a alma, com o intelecto. O verdadeiro e o falso não são aquisições gradativas que se conquista conforme avança o desenvolvimento cognitivo e psicológico, mas justamente as precondições desse desenvolvimento; o verdadeiro e o falso, para nós, não são “fenômenos”, mas o campo de relações no qual todos os fenômenos são possíveis — e se não fôssemos naturalmente afinados a este, jamais poderíamos perceber aqueles.
Por Daniel Marcondes.
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Nota da editoria:
Imagem da capa: “The early scholar” (1865), por Eastman Johnson (1824 – 1906).